Dificilmente, o leitor já terá tido a oportunidade de conversar com alguém que nasceu defunto. O nublog, por sua vez, teve o privilégio de passar uma agradável tarde com alguém que tem uma história assim – ou quase assim. Caso tivesse sido enterrado vivo logo depois de nascer (como chegaram a pensar em fazer lá pelas bandas de Jaguaquara), Sebastião Nery não poderia ter trocado Deus pelo diabo algumas vezes na vida, nem fundado jornais Brasil afora, ou conhecido quarenta e duas cidades da Sibéria. Pior: não teria criado o famoso Folclore Político, que, no princípio, não passou de um artifício para driblar a censura dos anos de chumbo.

Se prevalecesse a hipótese do “Defuntinho”, ele não poderia ter pulado o muro do seminário para encontrar-se, às escuras, com uma noviça do convento – nem teria se arrependido do pecado. Poderia não ter lutado pela anistia no Brasil, sido vereador, deputado. Não teria revolucionado a imprensa baiana com o histórico Jornal da Semana, nem presenciado as guerras da Argélia e do Vietnã. Tampouco teria chegado a ser editor da tevê Globo, lá nos tempos do nascimento da emissora. Hoje, tanto tempo depois, não estaria entre nós criticando aquele mesmo canal que viu nascer.

Já agradecidos pela caridade do destino de não ter levado Sebastião Nery precocemente às profundezas da terra, a Equipe Nublog (Ilse Adisaka, Victor Longo e Patrícia Maia) sentiu-se ainda mais lisonjeada pela oportunidade de encontrá-lo no hall de entrada de um hotel na Barra, em Salvador. Nery esteve por aqui para lançar o autobiográfico “A Nuvem: o que ficou do que passou” e aproveitou para conversar conosco e contar tudo. Tudo quanto pôde. Tudo quanto permitiram os cerca de cinquenta minutos que passamos com ele.

No bate-papo com o nublog e embalado pelo lançamento do livro, o criador do Folclore Político passeia por toda a história da sua vida e, com ela, a desse Brasilzão que viu crescer e mudar tanto. E como não podia deixar de ser, se mostra politicamente antenado, faz críticas ao governo Lula e a Jaques Wagner. Tudo isso, sem nos poupar de prognósticos promissores para as eleições de 2010. Anote aí.

Esperamos que o leitor faça como a Equipe Nublog: entre no trem que apitou quando Nery saiu da sua cidade para ganhar o mundo, pongue na boleia do caminhão que o levou à pequena cidade Pedra Azul e se delicie com essa história que jamais terá um fim.

nublog: Digaí, Nery… Como nasceu o Folclore Político?
Sebastião Nery: No dia do aniversário de Juscelino Kubitschek (12 de setembro), eu fui fazer um artigo para o jornal Tribuna da Imprensa, contando umas histórias simples dele, mas o major Douglas, censor do Tribuna, me disse: “Nery, isso aqui não pode sair”. Acrescentou que Juscelino, Brizola e Dom Hélder não sairiam nem se fosse a morte da mãe. Aí eu disse para o Dílson Lages, que era o editor do jornal, para ele colocar uma coisa qualquer. Mas ele disse: “O jornal não roda. Com sinal de censura, o jornal não sai. Você tem que escrever alguma coisa”. Eu fui para a máquina e escrevi assim: “Alquimia das sete histórias de um gênio da raça”, sobre o José Maria. Acontece que, para testar, botei o Juscelino em uma das histórias. No outro dia, conferi: tinha sido tudo publicado. Aí o Abelardo Jurema, ex-ministro de Jango, disse: “Nery, que sacada fantástica a sua! Já que tem censura, você pode falar da política através do folclore político”.

nublog: Aí que tudo começou…
Sebastião Nery: Foi aí que eu passei a fazer o Folclore Político de três em três dias. Quando eu reuni 400 histórias, lancei o livro Folclore Político, que vendeu 126 mil exemplares ao logo de 2 anos. A Editora Record fez uma coisa inteligente: botou nas bancas de jornal. Então, era o livro e o jornal. Eu fui o primeiro autor no Brasil que botou livro nas bancas de jornal, e não o Chico Anísio, como ele disse um dia desses. Depois, foram saindo outros números: 2, 3, 4 e o 5, que saiu com duas mil histórias.

Lula é uma mistura do Silvio Santos com o Faustão: o supra sumo da comunicação.

nublog: Você vende  muitos livros, qual o segredo para fazer isso no Brasil?
Sebastião Nery: Se quiser vender muito, mas muito mesmo, você tem que colocar em banca de jornal. Na época do Folclore, por exemplo, a Record tinha feito um acordo com a Revista Veja, que estava nascendo. Aonde ia a Veja, também chegava o Folclore. Então, eu tenho experiência com livros, já estou no meu 16º livro, mas nenhum é tão bom quanto esse último.

nublog: “A Nuvem”, seu livro mais recente, acabou de sair do forno. O que faz dele o seu melhor livro?
Sebastião Nery: Ele é uma síntese de 50 anos: de mim, do jornalismo e da política brasileira. Através da minha experiência, eu falo sobre esses assuntos. Começo contando a minha chegada em Salvador, em 1950, quando vim fazer o curso de filosofia, no Seminário de Santa Tereza. Exatamente nesse ponto da minha vida, começo o livro, contando a experiência do seminário, que era um mundo totalmente diferente.

nublog: E também sobre o Brasil da década de 50?
Sebastião Nery: Os jovens não têm a menor ideia do que era o Brasil naquele tempo. Por isso que vocês acreditam em Lula e nas coisas que ele diz. Lula fala como se o Brasil tivesse nascido com ele, e isso não é verdade. Em 1950, o país era muito atrasado, não tinha asfalto, não tinha nada, era um negócio terrível. Para vocês terem uma ideia, eu saí do seminário e peguei um caminhão para chegar até o Rio de Janeiro, porque na época não tinha ônibus. Era caminhão, trem ou avião. Eu não tinha dinheiro para ir de avião, nem de trem, então peguei um caminhão para ir fazer vestibular no Rio. Queria estudar filosofia lá.

Os padres diziam para mim que a melhor faculdade de Filosofia do Brasil ficava lá. Na estrada de Minas, o caminhão quebrou, e eu tive que andar 10 km no meio do mato, com a malinha na mão, junto com o dono do caminhão, o motorista e o ajudante que levava as peças na mão para consertar. Quando cheguei a Pedra Azul, uma cidade pequena, com 10 mil habitantes, conheci um sujeito no botequim. Estava tomando cerveja quando soube que precisavam de um professor de latim e, no outro dia, às 9h da manhã, eu estava lá dando aula. Eu brinco dizendo que sou um Lula de boleia e não de carroceria. Vendi as três batinas que tinha e comprei uma roupa e a minha passagem para a boleia do caminhão.

“Quem começou a revolucionar o país foi Getúlio, no segundo mandato.”

nublog: Você acabou mudando os planos e ficou em Minas. Quanto tempo viveu em Pedra Azul?   
Sebastião Nery: Fiquei um ano em Pedra Azul, saí de lá e fui para Belo Horizonte, onde fiquei oito anos, estudei Filosofia e, depois, Direito. Logo que cheguei lá, entrei no Partido Comunista, fui presidente da Juventude Comunista e me elegi vereador, em 1954.

Hoje, o Lula diz: “nunca antes na história desse país…”. Mas esquece que hoje o Brasil é um país preparado, tem rádio, televisão, internet, faz avião. Naquele tempo, Belo Horizonte tinha 300 mil habitantes, era uma cidade rural de tuberculosos. Os tuberculosos do Nordeste iam todos ser tratados lá, porque os hospitais eram os melhores.

nublog: Quem começou a mudar a cara do Brasil?
Sebastião Nery: Quem começou a revolucionar o país foi Getúlio Vargas, no segundo mandato. Ele criou aquela comissão econômica com Rômulo Almeida, que foi quem criou a Comissão de Desenvolvimento Econômico Nacional e foi buscar Roberto Campos, Inácio Rangel, Celso Furtado, e começou a planejar o Brasil.

nublog: Você é de Jaguaquara, não é? Você conta um pouco da sua história no interior da Bahia no livro?
Sebastião Nery: No prefácio tem a história da minha família, lá no interior de Amargosa. Falo do defuntinho (que era eu!). Todo mundo achava que eu estava morto e deveria ser enterrado, mas o defuntinho não foi enterrado, e eu estou aqui. Também conto a importância que foi o movimento integralista naquela época. Quando eu tinha seis anos, desfilei de camisa na frente de uma passeata integralista na minha cidade. Os meus padrinhos eram líderes integralistas, os meus tios também, mas a maioria da cidade também era. Eu botei aquela fardinha e marchei na frente da cidade. Resultado: 20 dias depois, tentaram matar Getúlio, fecharam o integralismo, prenderam os líderes e eu fugi da cidade para a fazenda de um tio meu.

Ulisses deu uma contribuição fantástica com a autoridade dele, mas não tinha voto para ser senador e nem governador.

nublog: Como você deixou o seminário?
Sebastião Nery: No livro, pela primeira vez eu conto porque eu saí do seminário e falo do pecado: eu namorava uma noviça. Nós pulávamos o muro todas as noites. Naquela época, um escuro filho da puta, já pensou? Mas aí tem várias histórias engraçadas, atreladas à sensação horrorosa de estar pecando. Então, eu deixei o seminário.
No capítulo seguinte a esse, eu falo sobre Juscelino. Durante cinco anos eu o acompanhei diariamente, ia ao Palácio três vezes por dia. Também fui presidente do diretório da minha faculdade, fui delegado para a UNE, mostrando o que era o movimento estudantil, que não era essa coisa horrível que o PC do B fez hoje: transformou a UNE num departamento eleitoral. Mas eu prefiro que seja do PC do B do que do Democratas.

Diferente de hoje, nós realmente éramos um movimento social, foram oito anos de luta para conseguir tomar a UNE.
nublog: E hoje? O que é o movimento social no Brasil?
Sebastião Nery: Só o MST, ao meu ver. Eles, porém, cometem o erro de ter uma perspectiva revolucionária lá na frente, e não há condições para isso acontecer. Eles prejudicam muito a luta absolutamente necessária da reforma agrária, que é o básico.

nublog: Quando começou a sua história com o jornalismo?
Sebastião Nery: Fui vereador em Belo Horizonte, um vereador comunista, cassado e preso. Logo depois que me soltaram, comecei o jornalismo, em 1952. Então, faço 57 anos de jornalismo.

Dilma é uma mulher brilhante, eu a conheço desde o PDT. O problema é que ela não tem a cara do país.

nublog: Não é pouco tempo, não é?
Sebastião Nery: Pois é! E em todos esses anos, eu nunca deixei de escrever, ou para jornal ou revista, escrevo todos os dias. Sendo que, para jornal, eu agora passei a escrever um dia sim, um dia não.

nublog: E você passou por muitos jornais diferentes, não é?
Sebastião Nery: Quando voltei para a Bahia, ajudei a fundar o Jornal da Bahia – uma experiência muito interessante de jornal. Depois, fui para o A Tarde. Mais adiante, vi a necessidade de fundar o meu próprio jornal, o Jornal da Semana, que durou quatro anos e me elegeu deputado. Nele, eu publicava tudo que os outros escondiam durante a semana. Eu sempre dizia assim: este jornal não tem compromisso com o governo do Estado, com nenhuma prefeitura, reitoria de universidade e nem com o cardeal. O jornal só tinha dois compromissos: com o Senhor do Bonfim e com Martha Rocha. Aí, peguei a juventude!

Nessa época, o governo era de Juracy Magalhães, e os quatro jornais que existiam apoiavam o governo, então era uma guerra! Juracy me prendia, me batia, mas uma hora tinha que soltar. Fui eleito deputado, e vem o golpe de 64: fico preso uns 11 meses aqui na Bahia e, quando eles me soltam, dou uma entrevista atrevida e eles querem me prender de novo. Aí que eu fujo para São Paulo.
nublog: E todo mundo querendo te prender!
Sebastião Nery: Eu tinha ordem de prisão do Exército, da Marinha, da Polícia da Bahia e do Juracy. Foi nesse período que eu escrevi o livro Sepulcro Caiado: o verdadeiro Juracy, que teve uma repercussão enorme. Todo mundo que não gostava de Juracy acabou comprando, e o livro foi vendido em banco de jornal.

Os comunistas são injustiçados históricos. Eles eram os mais generosos, mais valentes, mais dedicados.

nublog: Voltando ao jornalismo, você também passou um tempo na TV Globo, não foi?
Sebastião Nery: Depois que eu deixei São Paulo, fui para o Rio, onde fui editor político da TV Globo e, mais uma vez, troquei Deus pelo Diabo. Naquela época, a Globo estava nascendo, e eu tinha feito um cursinho de televisão, em Paris, por conta do Partido Comunista. Comecei na Globo antes do  Walter Clark, antes do Boni [José Bonifácio Sobrinho], antes desse povo todo. Mauro Sales era o diretor geral e Eraldo Cardim era o diretor do departamento de jornalismo. Eu era repórter, apurador, redator e editor de política. Naquela época, só tinha um sujeito em cada editoria, nós éramos oito e fazíamos o jornal.

No início, o jornal era chamando de Ultra Notícias, mas nos negamos a manter aquele nome e fomos até Roberto Marinho e definimos que seria Jornal da Globo, que era transmitido às 20h. O Jornal Nacional só passou a existir depois que eles fizeram a rede, em 1972.

nublog: Você também foi correspondente internacional, não é?
Sebastião Nery: Eu conto no livro essas histórias. Os portugueses fazem o favor de apressar a morte de Salazar e lá vou eu para Portugal. Vou para passar um mês e fico um ano e tanto, porque me foi encomendado um livro sobre Portugal. Eu escrevi “Portugal: um salto no escuro”, que vendeu lá e também na Holanda, em Angola e no Brasil.

Eu ia aproveitando as oportunidades: morre o General Francisco Franco, e lá vou eu para a Espanha, como correspondente da IstoÉ, que era dirigida pelo Mino Carta. Fiquei cobrindo a Constituinte Espanhola, depois fiz um livro e mostrei como foi a queda. Quando volto para o Brasil, ganho o prêmio Esso de Jornalismo. E aí, os russos, meio encantados comigo, me convidam para voltar à União Soviética. Disse que só voltava se fosse para conhecer a Sibéria.

“O Brasil é o único país do mundo que tem seis centrais sindicais disputando quem apóia mais o governo.”

nublog: Então a Sibéria era a próxima parada?
Sebastião Nery: Isso. Passei três meses na Sibéria e também fiz um livro: Sebastião Nery na Sibéria. Botei logo o meu nome porque as pessoas precisavam acreditar que era verdade. Lá ouvi que eu era o único brasileiro que conhecia 42 cidades da Sibéria (risos).

nublog: E o seu envolvimento com a anistia?
Sebastião Nery: Quando voltei, me meti de cabeça no movimento da anistia. Eu era deputado cassado, e não tinha direitos políticos. Mas era, também, um jornalista que se movimentava e conseguia autorização para ir para Portugal e Espanha. Então, fui para Lisboa e me aderi inteiramente ao Brizola. Ele era, para mim, o melhor líder do exílio. Prestes, que era um comunista e não tinha condições de uma aliança política nacional, era muito radical. O outro era Miguel Arraes, mas ele era muito provinciano.

Jango e Juscelino já tinham morrido, então nós fizemos a campanha da anistia, sobretudo em cima do Brizola e, por isso, o trouxemos de Lisboa e o elegemos. No inicio, ele estava com apenas 1% nas pesquisas, mas foi eleito governador do Rio de Janeiro, e eu, o segundo deputado mais votado do Rio de Janeiro.

nublog: Aonde você foi buscar esses votos?
Sebastião Nery: Eu fiquei três anos falando nos cassados e em Brizola. Todo mundo achava que eu era uma espécie de porta voz dele – e era um pouco. Eu conto essa história no livro, junto com o fenômeno que foi o fim da ditadura. E quem começou a construir o fim da ditadura foi Brizola, depois Tancredo e Ulisses – que deu uma contribuição fantástica com a autoridade dele, mas não tinha voto para ser senador e nem governador.

nublog: Quanto  tempo demorou para escrever este livro?
Sebastião Nery: Demorou 50 anos! Depois fiquei mais um ano pensando no livro. Eu não tinha a primeira frase. E, sem ela, não há como começar a escrever um livro, mas um dia apareceu a primeira frase: “Quando o trem apitou, o meu mundo desabou”. Falo de mim, com 10 anos saindo da minha cidade. Eu nunca tinha ido para lugar nenhum e, de repente, estava pegando o trem para ir estudar no internato. Assim começo a contar a história.

Levei cinco meses escrevendo, cheguei a trabalhar 10, 12 horas por dia e a cair em uma crise de estresse. Imagina escrever sobre uma vida inteira, que tem muitos fatos dolorosos e três amores mortos? Não foi fácil. Com a minha idade, 77 anos, a vida é um pouco uma alameda de amores e amigos mortos.

A UNE virou um escritório oficial que vive das verbas do governo.

nublog: Sem tirar doce da boca de criança e estragar a expectativa do leitor, como é que termina “A Nuvem”?
Sebastião Nery: O livro termina com outras experiências: uma temporada na Grécia, depois Roma, Paris – que todo mundo diz que é a cidade divina, mas é conversa fiada. Também falo dos dois livros que escrevi e que tiveram uma repercussão enorme: A vitória do PMDB: as 16 derrotas que abalaram o Brasil, que eu fiz em 1974, quando o governo perdeu as eleições, e o outro foi feito em 1989, A história da vitória, no qual eu conto o fenômeno Collor.

nublog: Você apoiava Collor?
Sebastião Nery: Sim, apoiei o Collor abertamente. Porque o Brizola me disse que iria fechar o Congresso – bastava Ulisses ganhar a eleição e chamar o general de confiança. Como o velho Getúlio dizia “o Brasil não pode funcionar com o Congresso aberto”, então eu fiz um artigo e denunciei. Quem podia derrotar o Brizola? O único capaz era Collor e essa história está toda contada no livro.

nublog: Qual sua visão, hoje, do comunismo?
Sebastião Nery: Os comunistas são injustiçados históricos, os crimes do Stalin, a queda do muro de Berlim e a impulsão da União Soviética distorceram a imagem verdadeira que tinham os comunistas na época. Eles eram os mais generosos, mais valentes, mais dedicados. O pecado original era que a liderança vinha mesmo de Moscou.

nublog: E o que ficou do que passou? Depois de tantas histórias diferentes, quem é Sebastião Nery?
Sebastião Nery: Hoje eu sou mais de esquerda do que quando eu era do Partido Comunista. Eu acho que o Brasil tem que aprofundar o processo social, virou o país do capitalismo selvagem. Naquela época, era um país rural e depois virou industrial, comercial e é um país financeiro.

Acho Marina Silva fantástica, mas o povo não vai acreditar na candidatura dela.

nublog: Qual critica o senhor faz ao governo Lula?
Sebastião Nery: Eu votei no Lula, mas a minha crítica ao governo dele é que ele entregou a política econômica aos banqueiros. A política econômica no Brasil hoje é uma política financeira comandada pelos bancos e isso é muito ruim. É por isso que eu apoio o MST. Há momentos em que você tem que radicalizar em certas coisas.

A UNE virou um escritório oficial que vive das verbas do governo. Lula conseguiu fazer mal ao país: não há nenhum país do mundo que tenha seis centrais sindicais disputando quem apoia mais o governo. No mundo, nós vemos movimento operário a favor do governo, mas o Brasil é o único que tem todos os movimentos a favor – todos comprados pelo FGTS.

nublog: Lula é esquerdista?
Sebastião Nery: O Lula não é de esquerda, ele é um ser que tem uma capacidade de comunicação fantástica e uma cara-de-pau maior ainda. É um populista.  Ele é um sujeito para viver num Big Brother, poderia até comandar o BBB.

Lula é uma mistura do Silvio Santos com o Faustão, ele é o supra sumo da comunicação: só fala o que o auditório quer ouvir, e é por isso que nós chegamos a esse embananamento, que é essa eleição que nós vamos ter. É um negócio complicado para o Brasil. Ele quer impor a Dilma, mas na hora que botar Serra com Dilma, ela não encosta e ele mata os outros candidatos.

Serra é feio, tem cara de vampiro, não é nada simpático, é paulista… Mas ganha em Pernambuco, a menina dos olhos de Lula.

nublog: E como está Marina Silva nesse quadro?
Sebastião Nery: Ela não cresce, o povo não acredita. Um outro mau do Brasil é essa televisão. Tudo hoje na televisão o povo vota pelo telefone para decidir. O povo acha que está escolhendo, mas está só pagando. Não há outro lugar em que isso aconteça.

Dizem o Paraguai e o Uruguai, mas eu quero ver o Paraguai com os seus 68 milhões de pessoas pagarem um telefonema para decidir se um rapaz ou uma moça saem ou não do Big Brother. Sabe o dinheiro que isso deu no ano passado? A Globo, só com os telefonemas, levou 380 milhões. Isso não existe! Imagina se o povo americano vai gastar 300 milhões para isso. O povo lá não gastou essa quantia nem para eleger o Obama.

nublog: E por falar em Obama, o que o senhor pensa sobre ele?
Sebastião Nery: Eu acho que ele é o melhor de todos que podia ter, mas não tem força para enfrentar o poderio.
nublog: Mas ele não está parecido com os outros?
Sebastião Nery: Justamente por isso, pela falta de força. Ele não tem força para ser muito diferente do Bush. De quem é o sistema de comunicação dos Estados Unidos? É do sistema judaico. Diga-se: o problema não é ser judeu, são os banqueiros! Quem manda na política bélica? Os banqueiros! Agora mesmo, Obama disse que iria acabar com a guerra do Iraque, mas tirou os saldados e levou para o Afeganistão: vai quebrar a cara.

ACM Neto é muito inteligente, mas Deus não o ajudou: ele é pequeno demais e o brasileiro não o enxerga.

nublog: Você disse que o Brasil está se tornando um país financeiro. Qual a solução para isso no Brasil?
Sebastião Nery: A solução é política. É o movimento social, o povo participando. Hoje, o povo acha que participa votando no Big Brother, na garota do Fantástico. Acham que assim participam da vida nacional.

nublog: Se a eleição para a presidência fosse hoje, qual seria a nossa melhor saída?
Sebastião Nery: O povo acha que a candidatura de Marina é uma candidatura de charme, então a eleição vai ser decidida entre Dilma, (porque Lula não deixa aparecer outro) e Serra. E nessa brincadeira, Serra ganha a eleição.

Eu não acredito que se construa a candidatura de Marina, mas a acho fantástica. Penso que é preciso haver uma candidatura contra isso que está aí. Só que o povo não vai acreditar na candidatura dela.  Então, é o governo de um lado e quem não quer votar em Dilma do outro. E no meio? Serra ganha!

nublog: Com toda essa sua experiência, como você define a política no Brasil?
Sebastião Nery: Vai naquele mesmo rumo: é um processo financeiro, você não elege o deputado, mas ele compra o mandato. Cada um compra o seu setor e tem o seu mercado, tem o seu mandato. O Congresso é um balcão de negócios, o governo compra uma parte, o outro compra outra. Há os grupos financeiros e econômicos que têm a sua bancada. Tem a bancada ruralista, a bancada dos “comerciantes” da saúde – dos laboratórios farmacêuticos etc.

Lula fez um mal muito grande, ele foi eleito como uma esperança de criar um processo inovador e avançado, mas trouxe o atraso político para o Brasil literalmente. E isso é imperdoável. Ele tinha tudo para fazer diferente. Nasceu do movimento sindical, tinha tudo para botar o país apara avançar, mas não fez.

Por que os cardeais vivem mais de 80 anos? Porque comem devagar, tomam vinho, fazem sesta, mandam dívidas para o papa e dúvidas para Deus!

nublog: Concretamente, o que seria andar para frente no Brasil?
Sebastião Nery: Seria fazer uma política econômica independente, que hoje nós não temos. Quem aumenta os juros são os banqueiros, o governo não tem nenhum domínio sobre o financiamento da economia. O Brasil está devendo um trilhão da dívida interna e eles disseram: “nós acabamos com a dívida externa”. Isso é mentira! Uma trapaça! Os juros da dívida externa são de 5% (no máximo) e o da interna chagaram a 14% ou 15%. O que o governo fez? Transformou a dívida externa em interna, dando muito mais lucro. Hoje, o Banco Central mantém os juros em 10%. Nos Estados Unidos, estão em 1,5%. Então era muito melhor o tempo da dívida externa, porque o país pagava menos.

nublog: Vamos falar um pouco da política na Bahia. Você tem acompanhado o trabalho de Jaques Wagner?
Sebastião Nery: Não de muito perto. O que ele está fazendo? Viaja, pega dinheiro público e faz propaganda. Ele já absorveu a imprensa daqui, todos os veículos de comunicação são favoráveis a ele. E a oposição, a meu ver, não tem capacidade de lançar um candidato que o povo veja e diga: esse vai derrotar Wagner.

nublog: Então ele vai ser reeleito?
Sebastião Nery: Depende. Tem uma coisa: se Geddel Vieira Lima se unir a Paulo Souto e sair candidato a senador contra a chapa de Wagner, Souto pode ganhar o governo por exclusão. Pode acontecer com Paulo Souto a mesma coisa que está acontecendo com Serra.

nublog: E o que você acha de Serra?
Sebastião Nery: Serra é feio, tem cara de vampiro, não é nada simpático, é paulista… Mas ganha em Pernambuco, a menina dos olhos de Lula.  E o governador é Eduardo Campos, um cara excelente, que ainda vai ser presidente de República. Ele é neto de Arraes, tem o DNA do avô e é um sujeito competente. Mas Serra também está ganhando no Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e São Paulo. Perde no Rio, e aqui na Bahia está embolado.

Se o PT fosse bom de administração não estava acontecendo isso. Veja o Aécio, um nome forte! O playboy é um bom administrador e tem esse prestígio. A não ser no Lula, o povo não viu no PT ninguém com capacidade de assumir o comando do país.
nublog: E Dilma não é capaz?
Sebastião Nery: Dilma é uma mulher capaz, eu conheço ela, foi minha colega na fundação do PDT, é uma mulher brilhante, mas não tem a cara do país.  Ela é brutal, agressiva e não faz o tipo do brasileiro. Este é o problema dela, e eu vejo que o povo não vai aderir. Mas ainda está cedo. Só podemos sentir as coisas depois do carnaval. O povo brasileiro começa a pensar depois do carnaval.

nublog: Quando você falou de Eduardo Campos, mencionou o DNA dele. Aqui na Bahia tem o ACM Neto, mas parece que não pegou…
Sebastião Nery: Realmente, não pegou. Sabe por quê?  Porque os caudilhos são estéreis, e Antônio Carlos Magalhães era um caudilho e, por consequência, estéril. Caudilhos não fazem sucessão política. Não tinha o partido – era o ACM, a pessoa. Então, esse menino é muito inteligente, mas Deus não ajudou muito, ele é pequeno demais, e o brasileiro não o enxerga.

nublog: De tudo isso que você fez, de todas essas profissões (político, escritor, jornalista), o que você mais é?
Sebastião Nery: O que eu mais gosto é de participar. O seminário me envenenou e, apesar de todo esse comunismo, eu continuo um cristão, quer dizer, tenho uma visão cristã do mundo. E todo mundo tem uma missão. Por isso, nunca parei de participar.

Eu não tinha nada com a Guerra do Vietnã e fui lá. Queria ver como estava a guerra. O mesmo com a guerra da Argélia – eu estava lá, fiz cinco meses de cobertura. Por que fazer isso tudo? Para participar.

Chega uma certa idade em que a vida se torna uma alameda de amores e amigos mortos.

nublog: Já falamos um bocado de política, que é uma delícia, mas vamos terminar com outro assunto muito gostoso. Sabemos que você é um grande apreciador de vinhos. Além do Quinta da Bacalhoa, quais vinhos você nos recomendaria?
Sebastião Nery: Tomo vinho no almoço todos os dias. Depois de uma certa idade, eu parei de tomar à noite, porque durmo mais quando não bebo. Vinho me atiça e me dá vontade de ler. Respondendo à pergunta: todo vinho português é bom, principalmente os do Alentejo, porque são os melhores vinhos baratos. Os franceses são caros. Os italianos, por sua vez, aumentam o preço para concorrer com os franceses. Mas, se quiser sair do Quinta da Bacalhoa, que é maravilhoso, é só ir para o Cartuxa, ou então um Pêra Manca! Agora, os melhores vinhos da Europa são os vinhos da Ribera del Duero, na Espanha. Não tem igual.

Agora, falando em vinho, você sabe por que os cardeais todos passam dos 80 anos? São cinco razões:
1) Comem devagar.
2) Tomam vinho no almoço.
3) Dormem depois do almoço.
4) Se tiver dívida, manda para o papa.
5) Se tiver dúvida, manda para Deus.

Alguns ainda acrescentavam o sexto: não tem mulher para encher o saco! [Risos coletivos]
nublog: Maravilha! Muito obrigado pelo bate-papo. Foi ótimo!
Sebastião Nery: Foi um prazer! E vocês estão de parabéns. Em um estado onde a imprensa é muito acomodada e tecnicamente muito repetitiva, é uma obra de interesse público o que vocês do nublog estão fazendo. Iniciativas como esta servem para a juventude não pensar que a imprensa se resume a estes jornais que estão aí. O aniversário de um ano do nublog que passou foi uma data baiana. A juventude não pode continuar sendo deseducada e refém da televisão. O nublog põe as pessoas para pensar, e isso é o dever do jornalista.