Foto de Paulo Henrique.

Sebastião Nery, foto de Paulo Henrique.

BELO HORIZONTE – Em 1964 a UNE (União Nacional de Estudantes) não era esse molusco falso, frouxo, mixuruca, que é hoje, um indisfarçado escritório financeiro-eleitoral que nem voto tem. Era uma grande e poderosa entidade nacional  que de fato representava a nós   estudantes brasileiros. E mais do que isso: era uma escola política, a vibrante Universidade Livre da juventude brasileira. Daí vinha sua força, sua representatividade, sua autoridade diante do país e do governo.

Democrática, de dois em dois anos elegia uma nova diretoria. A de 1963 a 1965 era presidida por um jovem estudante de engenharia de São Paulo, o hoje, exemplar homem público, José Serra, o vice era o também jovem estudante de Direito do Rio hoje bravo jurista Marcelo Cerqueira.

Volto a Minas para lançar hoje, a partir das 18 horas, na Livraria Status, na Savassi, meu último livro  “Ninguém Me Contou, Eu Vi – De Getúlio a Dilma”, onde, entre tantos fatos, conto como testemunhei  o macabro e antinacional golpe militar de 1964. Deputado pela Bahia, vivi tudo no Rio no calor e medo da estupidez civil-militar, desde as semanas anteriores ao golpe até a volta de caminhão e prisão na Bahia. (O general Assis Brasil, chefe do “esquema militar”, era um Felipe Scolari. Só papo).

No avião, vim lendo um depoimento indispensável para entender por que o enganado João Goulart caiu tão fácil, derrubado por militares e políticos ambiciosos: -“Cinquenta Anos Esta Noite – O Golpe, a Ditadura e o Exilio”, de José Serra. Um livro bem escrito, luminoso, à altura do autor.

 

MINAS

1) “O arco das alianças para derrubar Jango foi ampliado. Organizou-se uma “rede democrática”, juntando tudo o que se dispunha em matéria de imprensa, rádio e TV, para contrapor-se aos (poucos) jornais e emissoras ligadas ao governo e a Brizola. No plano político, o arco passou a incluir, no começo de 1964, figuras do dito “centro”, como o governador de Minas, Magalhães Pinto, que era da UDN, presidenciável, e por isso mesmo adversário de Lacerda, e até então próximo de Jango”.

2) “A adesão de Magalhães ao golpe ficara-me patente no final de fevereiro de 1964, quando a Frente de Mobilização Popular programou um ato no auditório da Secretaria da Saúde em Belo Horizonte… Os parlamentares  saíram do Rio num avião fretado. Preferi evitar a carona e tomei um avião de carreira. Betinho foi comigo. No voo, encontramos José Aparecido de Oliveira,nosso amigo e secretário estadual de Minas. Disse:

-Eu sei que foram vocês da AP que deram a ideia desse ato. Não é o momento. Foi um erro. Deus queira que não haja encrenca”.

3) “Encrenca houve. Quando chegamos ao local, uns vinte minutos depois dos outros, encontramos uma praça de guerra, tomada por manifestantes da direita organizada. Ao ingressarem no prédio, dirigentes da FMP haviam sido agredidos com pancadas e pedradas, entre eles Brizola e o deputado Paulo de Tarso Santos. O fato de que todos ignorassem a mobilização contrária e violenta é mais um indício do quanto a esquerda estava distante de qualquer forma de organização em embates violentos”.

MAGALHÃES

4) “Não pudemos entrar no prédio nem, evidentemente, fizemos questão de nos identificar. Na noite escura de Belo Horizonte, ninguém nos reconheceu. Seguimos então, Betinho e eu, para o Palácio da Liberdade, onde Magalhães Pinto nos recebeu na hora. Perguntei-lhe:

-Governador, como a Força Pública pode ter permitido essa arruaça?

-Foi uma surpresa. Até a mulher de meu Secretário de Segurança, coronel José Geraldo, está entre os que marcharam contra o governo federal. Não pude fazer nada.

-Mas por que o senhor não faz alguma coisa agora, governador? O senhor acha que seu secretário não sabia de nada?

Qual o quê. Àquela altura, percebemos que Magalhães havia embarcado no projeto do golpe”.

5) “Mais tarde, fomos para a casa da mãe de José Aparecido, onde ele promoveu uma reunião do governador mineiro com políticos que tinham vindo ao evento. Uma reunião inútil, apesar das explicações de Magalhães, em tom de escusas inconvincentes para todos. Dizia-se surpreso com o ocorrido e especialmente constrangido porque estivera presente Neusa  Brizola, irmã do Presidente e mulher do deputado”.

Magalhães sonhava ser nomeado Presidente pelos militares golpistas.