RIO – “A 31 de março de 1964, pela manhã, eu fora à Câmara dos Deputados. Passara pelo meu gabinete por alguma razão menor. Para minha surpresa, por toda parte, parlamentares às dezenas, agrupados, a discutirem numa incontida agitação. Àquela época, o parlamento reunia-se pelas tardes. Sempre. Às vezes, às noites. Pelas manhãs, nunca. O que motivara os deputados federais àquele encontro insólito?
“Aproximei-me de um dos grupos: e ali soube, para meu espanto, que o general Mourão Filho, no comando das tropas de Juiz de Fora, marchava na direção do Rio de Janeiro. Variavam as reações: uns já festejavam o começo da “Revolução” (pois assim chamavam o que, em verdade, seria um golpe de Estado); outros a condenarem, com veemência, a ruptura da legalidade. Voltei depressa à minha casa.
“ Telefonei ao senador Arthur Virgilio Filho, líder do governo no Senado. Pedi-lhe informações sobre os fatos. Mas, àquela manhã, meu grande amigo não sabia de nada, absolutamente nada! A seu convite, fui ao seu apartamento, a poucos metros. Éramos vizinhos. De imediato ele telefonou ao presidente João Goulart, que estava no Rio de Janeiro, no Palácio Laranjeiras. Relatou-lhe o que eu contara e pediu instruções, já que parecia inevitável ir à tribuna na sessão da tarde do Senado.
ASSIS BRASIL
– “Por uma extensão telefônica, eu ouvira o diálogo. E fiquei pasmado quando a réplica veio calorosa: -“É a oposição farsante querendo tumultuar o país!”. Naquele momento, nas imediações de seu gabinete, passava o general Assis Brasil, chefe da Casa Militar. O presidente, sem rodeios, perguntou-lhe asperamente: – “O que há de verdade na sublevação do general Mourão Filho?”. E o interrogado, com absoluta calma:- “Tudo fantasia, presidente. Trata-se de uma marcha de rotina, como é de hábito no Exército”. O presidente Goulart insistiu: – “Nada mais?”. E o chefe da Casa Militar: – “Nada além disso”. O Presidente voltou ao telefone: – “Tu ouviste, Arthur? Pois é essa a verdade!” O senador fez-lhe a pergunta que se impunha: – “Posso revelar, no Senado, o que o senhor acaba de dizer-me?”. E o Presidente, numa resposta óbvia: – “Não apenas podes; deves”.ALMINO AFONSO
– “À tarde, fui à Câmara dos Deputados. Já dera início o chamado pequeno expediente. Mas o plenário, com as cadeiras vazias, parecia ter perdido a razão de ser. Os parlamentares, no salão azul, num alvoroço sem igual se empenhavam numa discussão azeda, onde as controvérsias se chocavam. O tema central era o mesmo da manhã: o avanço das tropas do general Mourão Filho. O que ali se dizia era o inverso do que eu ouvira do presidente da República. Com voz forte fiz-me ouvir: dei aos colegas a declaração dói general Assis Brasil, repeli a versão dos que aplaudiam a insurreição. A essa altura o deputado Carlos Murilo, sobrinho do ex-presidente JK com delicadeza afastou-me do grupo e me foi dizendo:
– “Se o Presidente está negando o que se passa em Minas Gerais, talvez como tática para ganhar tempo, não sei se vale. Mas, se na verdade ignora os fatos, está perdido! Pois desde a madrugada Minas Gerais está em pé de guerra! O governador Magalhães Pinto assumiu o comando civil da “Revolução”! E o general Carlos Luiz Guedes é o Chefe Militar!
“Ainda hoje me custa acreditar. Mas o que agora revelo refere-se a 31 de março de 1964. Os fatos se impondo, a partir dos diálogos, desde o meio-dia. Porém o mais inacreditável é que o desconhecimento da insurreição, no gabinete do presidente da República, se prolongara até o fim da tarde….Às 18 horas! Enquanto as tropas do general Mourão Filho já vinham vindo em marcha batida desde às 4 horas da madrugada! E a insurreição (travestida de revolução) já estava ostensivamente articulada, com a chefia Civil e Militar assumida em Belo Horizonte! Como explicar tanto alheamento do general chefe da Casa Militar? Desde o instante em que o senador Arthur Virgílio Filho transmitira a versão do levante de Juiz de Fora, por acaso não houvera tempo bastante para informar-se do que já era público em Belo Horizonte? Como a inércia, em termos elementares de informação, pudera prolongar-se absolutamente até o fim daquela tarde? Não acuso o general Assis Brasil de omissão permissiva. Mas, pelo menos, de espantosa incompetência que desmerecia seu próprio nome!”
1964 – O GOLPE
Esta inacreditável historia está contada em um livro soberbo : – “1964 Na Visão do Ministro do Trabalho de João Goulart, Almino Afonso” – (Fundap- SP): 700 paginas históricas,documentadas, lúcidas, eletrizantes.
O general Assis Brasil foi o Felipe Scolari de Jango…