RIO – A primeira vez que Ulysses Guimarães deixou de ser presidente da República não foi em 1974, quando o MDB o lançou como  anticandidato contra a nomeação do general Geisel. Com os olhos quase fechados, como se estivesse sonolento, ele contava pausadamente:

– “Por ingenuidade, deixei de ser presidente da República interinamente. Os cardeais do PSD se reuniram em 1955 para ver a preferência da bancada em torno de um nome para a presidência da Câmara. Eu fui o mais votado e eles voltaram a reunir-se para sacramentar  meu nome. Como o PSD tinha a maioria da Câmara, o presidente era dele.

Aí a bancada paulista do PSD decidiu se reunir também. E me convidaram. Eu sentia que não devia ir, mas fui. E a bancada paulista decidiu que seu candidato seria o Ranieri Mazzilli.

O Carlos Luz me procurou e disse que, como eu não seria candidato, ele seria. Foi e ganhou. Tornou-se presidente da Câmara. Nessa função chegou à presidência da República interinamente, no meio daquelas crises todas (do 11 de novembro de 55, a tentativa de golpe da UDN para impedir a posse de JK). Tudo aconteceu também porque evitaram a solução natural, que seria o meu nome. Tanto que no ano seguinte cheguei à presidência da Câmara. Em política, quando se evita a solução natural provoca-se a crise”.

 

LACERDA

 

Ulysses era um estadista. Política para ele era a Pátria:

– “O pior momento da minha carreira foi o período em que presidi a Câmara dos Deputados nos dois primeiros anos do governo Kubitschek.

O Lacerda se exilou no exterior, depois daquelas lutas contra a posse do Juscelino, reações militares e tal. Quando o Lacerda voltou, ele pediu a palavra e eu estava na presidência da Câmara. Garanti a palavra a ele, mas os ânimos estavam exaltados, alguns queriam matá-lo.

O Lacerda começou a discursar e notei que de longe vinha se aproximando o Molinaro, um parlamentar que era oficial da Aeronáutica e que esteve no Canal de Suez na época em que a ONU mantinha tropas lá, onde causou os maiores problemas. O Molinaro estava carregando uma pasta. Eu suspendi a sessão, desci da Mesa, peguei-o pelo braço e o levei ao meu gabinete, onde o desarmei. Havia uma arma na pasta. Depois reabri a sessão e garanti a palavra ao Lacerda”.

 

JUSCELINO

 

Ulysses recordava a coragem de Juscelino:

“Se você me perguntar qual o maior político que conheci, o mais completo, respondo que foi o Juscelino. Este realmente tinha tudo, um pouco de todas as qualidades:

A coragem, por exemplo. O general Juarez Távora, na ativa,  fez um discurso contra ele e o presidente da República reuniu o Ministério. Os ministros dividiram-se, porque Juarez Távora era general de quatro estrelas, um monumento nacional, antigo vice-rei do Nordeste, e disputara a Presidência contra o próprio Juscelino. Até o ministro da Guerra, marechal Lott, estava na reunião. Aí o Juscelino encerrou as discussões:

– Ministro – perguntou ao Lott – , eu só quero saber se o pronunciamento dele infringiu os regulamentos militares.

– Infringiu – respondeu Lott.

– Então mande prendê-lo – concluiu Juscelino. E encerrou a reunião.

 

JUAREZ

 

Como presidente da Câmara, Ulysses assistiu à reunião:

– Eu virei para o general Nelson de Melo, que era chefe do gabinete militar do Juscelino, e disse:

– Nelson, acho que amanhã o governo está no chão.

– Nada disso – ele me respondeu – não vai acontecer nada. O Juarez será preso e nascerá grama na sua porta, porque ninguém vai lá.

De fato, não aconteceu nada, mas foi preciso muita coragem para o Juscelino prender Juarez Távora”.

 

FERIAS

 

Como todo ano, setembro é férias. E férias é Paris. Mas, também como sempre, de lá continuarei de plantão, escrevendo toda semana.