AMSTERDAM – Não é nada disso. Isto aqui não é a terra da maconha, nem só a patria do holandês brasileiro Maurício de Nassau. É sobretudo o país dos museus, das artes, do Museu Van Gogh, grande, soberbo, aberto no centro da cidade como uma tulipa das artes. E também do Rijksmuseum, à beira dos canais, magestoso, atravessando impérios e séculos, mostrando Rembrandt em toda sua glória com seus largos colarinhos brancos. Esta cidade cortada de canais e suspensa numa arquitetura medieval, tem todo um traço moderno mas é eterna.
Você vê o holandês falando sua lingua áspera, gutural, irregular, a boca cheia de consoantes, jamais pode imaginar que seus tataravós foram o romanos, aqui chegados 50 anos antes de Cristo, com sua doce, maviosa e sintética lingua latina.
As legiões de César Augusto vieram até o delta do Reno, bem além dos gauleses (franceses). Dominaram uma região plana, arenosa, açoitada pelos frios ventos do norte e invadida pelas tormentas do mar. Já encontraram aqui tribos de origem nórdica. Viviam de caça e pesca. Eram uns índios brancos: os bátavos, os francos, os frisões, os sajões, falando dialetos parecidos, mas nem tanto.
ROMANOS
Dois mil anos depois, já desapareceram. Mas continua a mesma divisão: a Holanda em cima, a França embaixo, a Bélgica no meio e a Alemanha ao lado. Essa coisa de raça é uma graça (e uma desgraça) de Deus. Não acaba nunca. Vejam as finadas União Soviética e Iugoslávia se comendo por dentro, porque uns são isso e outros aquilo. Rivais há milenios, inimigos desde que nasceram (russos contra ucranianos, sérvios contra croatas). Mal os romanos chegaram, já se rebelavam, liderados por Claudius Julius Civilis (romano ou filho de romano). Não adiantou. Os romanos ficaram até o terceiro século depois de Cristo. E deixaram o latim no coração de todas as cidades: centro em holandês é “centrum”, como em latim. (E como na Alemanha, na Áustria é “zentrum”).
A Holanda é um milagre de resistência histórica: brigaram 15 séculos pela independência, que só veio em 1609. E que bela nação fizeram. Por detrás, sempre esteve a divisão das tribos. Mas na frente as lutas foram religiosas. Os reis mandavam primeiro seus missionários e iam atrás com suas tropas (como hoje pastores americanos e padres europeus na Amazônia). Carlos Magno ocupou, “converteu”e criou o Império (dois séculos), dividindo as terras entre condes e vassalos. Pelo norte ainda tinham que enfrentar as invasões do mar e dos vikings, que chegavam em suas caravelas encantadas, atacavam, saqueavam e sumiam nos nevados abismos do polo norte.
O TACITURNO
As várias cidades começavam a ficar ricas e poderosas, e passavam a brigar umas com as outras ou, todas juntas, com os governos de fora, da Espanha, França, Alemanha, Áustria.
Guilherme de Nassau, O Taciturno, em 1566 liderou as cidades e alguns condados em um levante popular, que profanou e saqueou igrejas e mosteiros, incendiando e destruindo. Mas acabaram derrotados, Taciturno foi assassinado e substituido pelo filho Maurício de Nassau.
Em 1609, a Espanha reconheceu a independência e a Holanda se torna um reino autonomo. E se lançou ao mar: chegou ao Brasil (Recife, na Bahia nós não deixamos), ao Caribe (Aruba, Curaçao, Bonaire, ilhas da Ásia). De vítima passa a algoz. De colônia a império.
A Holanda espalha seu poder, sua cultura, e vai assim até o começo da segunda Guerra quando é invadida pelos alemães. E hoje é o que é porque manteve intocada, ao longo de séculos, sua tradição de luta contra a dominação externa.
MAURICIO DE NASSAU
Nunca entendi por que Mauricio de Nassau, elegante, bonito, com seus mais de 50 artistas capazes de construirem as belezas de Olinda e as enluaradas pontes de Recife, não conseguiram ganhar a briga com os portugueses, os negros e as doces índias, sendo expulsos 30 anos depois.
Jorge Amado sábio, ensinou que as civilizações se constroem no amor e na cama. Aqui fica claro. Com essa lingual gutural, ríspida, dura, como é que o holandes ia levar uma portuguesa, uma negra ou uma india
para a cama? Faltava a comunicação. Faltava a linguagem.
Enquanto isso os portugueses comandados pelo padre Anchieta, pelo padre Manoel da Nobrega, pelo padre Aspicuelta Navarro, ganharam todas as batalhas de 1600 contra os holandeses e os expulsaram para cá.
H A I A
Não seria por falta de experiência e dor, na história e na alma, que a Holanda deixaria de ser sede da Corte Internacional de Justiça e do Tribunal Penal Internacional, aqui em Haia, com julgamentos.
Entre 15 e 18 de julho de 1995, em Srebenica, um enclave mulçumano na Bósnia, teoricamente protegido pelos “capacetes azuis” da ONU, foram massacrados, à faca e fuzil, de 2 mil a 2.500 homens.
Os testemunhos dramaticos traumatizaram a todos no Tribunal: um mulçumano bósnio (identificado apenas como A) e um soldado croata a serviço do exército sérvio-bósnio, Drazen Erdemovic calcularam que assassinaram entre mil e 1.200 civis muçulmanos em Srebenica. Os rostos desfigurados pelas câmeras do Tribunal, eles contaram horrores.