RIO – Fazia frio naquela manhã de 8 de maio de 1945, no Seminário de Amargosa, na Bahia. Às 8 horas o Padre Feliciano já nos dava sua aula de italiano. Baixinho, compenetrado, vaidoso por sua pronuncia perfeita, balançava as pernas curtas que não chegavam ao chão.

De repente, pelas janelas abertas, começamos a ouvir um rumor que ia crescendo na praça em frente, com o povo pulando e cantando:

– “Hitler morreu, o urubu comeu, o couro é teu”!

O padre tentou impedir, mas corremos para a calçada e pulamos e cantamos também. A guerra tinha acabado: 8 de maio de 45. Tinha 12 anos. Escrevi a meu pai:

– “Aqui todos muito alegres pela paz, pelo fim desta terrível guerra. Ontem, benção com Te Deum, missa cantada, parada e festas na rua. Hoje, uma missa pelos soldados mortos”.

A guerra havia atingido a humanidade inteira

STALINGRADO

Dez anos depois, eu estava comemorando o fim da guerra do outro lado do mundo, em Stalingrado (hoje Volgogrado), a “cidade – martírio”: o “Morro da Mamãe” foi 9 vezes tomado pelos alemães e 9 vezes retomado pelos russos (o chão é um cascalho de cascas de balas), e onde estão enterrados mais de 200 mil habitantes, mortos pelas tropas de Hitler.

Foi lá que se entregou prisioneiro o general alemão Von Paulus, com todo o Exercito de Hitler, marcando o começo do fim da guerra. Estive dentro da casinha em que o general se apresentou preso. A gente sente bem de perto a tragédia que os russos sofreram com bombas caindo sobre a cidade 5 meses inteiros, dia e noite e 27 milhões de soldados mortos.

LENINGRADO

Stalingrado é sul. Lá em cima é Leningrado (hoje São Petersburgo), outra “cidade martírio”. O rio Neva corta Leningrado de todos os lados. São mil hectares de parques e jardins públicos, 101 ilhas, 65 canais, 48 pontes. E 3 milhões de habitantes. A cidade foi cercada, encurralada durante 3 anos, de 1941 a 1944, pelos alemães e toda bombardeada.

Voltei lá agora. Leningrado ainda tem a cara do horror da guerra.

VARSOVIA

Varsóvia também é uma “cidade martírio”. Numa madrugada branca, toda pingada de neve, naquele já quase inverno de 1957, o velho motorista de taxi, olhos azuis e cabelos fogueados, ia me contando coisas de sua vida, entre o restaurante Krokodila e o hotel Bristol. De repente, a praça imensa, quadrada, seca, vazia, absolutamente vazia, como um pedaço de deserto caído sobre a cidade, com um discreto monumento negro ao centro.

– O que é isso, esta praça estranha?

– Aqui foi o gueto de Varsóvia. Aqui perdi pai, mãe, irmãos, filhos, minha família inteira. Aqui vivíamos, nós, os judeus. Em 1943, cansados do cerco de Hitler, indignados com as perseguições, violências e assassinatos diários dos nazistas, explodimos. Fizemos um levante armado, um desesperado suicídio. Fomos arrasados pela superioridade militar dos nazistas. Sobramos poucos, pouquíssimos. Fui um deles.                           Arrastando seu francês cansado, o velho motorista de Varsóvia parou o carro pequeno de quatro lugares, saltou, chegou junto ao monumento e passou as gordas e avermelhadas mãos sobre a pedra negra, como se alisasse o rosto inútil dos pais, irmãos e filhos mortos. Tremi de frio e angústia na madrugada branca de Varsóvia vendo aquele homem encardido de desesperanças acarinhando a saudade de tudo que ele foi e a vida dilacerou nas garras da violência, do radicalismo, do racismo.

HITLER

Cheguei ao hotel, comecei a escrever uma série de indignadas reportagens sobre os crimes de Hitler contra os judeus: Treblinka, às margens do rio Buz, onde foram cremados os heróis do gueto de Varsóvia. Auschwitz, hoje museu da loucura dos homens, onde 3 milhões de judeus (180 mil franceses, holandeses, russos) foram massacrados e queimados.

Os campos todos da ignomínia, da barbárie racista alemã visitei e guardei a convicção de que, na dura luta do homem pela existência, uma coisa sobretudo não se justifica; a agressão pelo preconceito, a violência em nome da religião e a invasão dos países mais fracos para vender armas.

GUERRA

Faz 70 anos o fim desse festival de horrores. E o mundo não consegue festejar a paz. Por toda parte continuam pipocando guerras. Há sempre um tarado fabricando armas e um pais vendendo.Drummond sabia

– “Toda guerra é ganha pelos generais e perdida pelos soldados”.

Como Hitler, hoje os Estados Unidos inventam guerras para vender armas. Eles, os grandes gigolôs da guerra, os maiores fabricantes de armas do mundo, não resistiram a Hitler como os ingleses, os franceses. Hoje invadem Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria, África. Lembrai-vos de Hitler!                   nerysebastiao@gmail.com