RIO – Fernando Martins, jornalista, diretor da ANJ (Associação Nacional de Jornais) no Rio, conhecia o Salgueiro de “Chão de Estrelas” de Orestes Barbosa e Silvio Caldas. Ia passando na boca do morro, um velho e um rapaz carregavam uma moça.

– O que é que ela tem?

– Está passando mal. Vamos levar para o hospital do INSS em Andaraí.

– Entrem aqui.

E tocou seu carro para o Andaraí.

Branca como uma nuvem, os olhos enormes saltando das pálpebras roxas, a moça tossia desesperada. O rapaz apertava a cabeça dela contra o peito e pedia baixinho:

– Calma, Gracinha, calma.

E a moça tossindo, tossindo, toda branca, como uma nuvem engasgada.

Trânsito ruim, Fernando furava o sinal, dava contramão, guardas apitando, anotando. Ligou o rádio para distrair a moça. Elisete Cardoso cantava “Chão de Estrelas”:

– “Minha vida era um palco iluminado / Eu vivia vestido de dourado

Palhaço das perdidas ilusões.”

E a moça tossindo, sufocada.

E Elisete cantando:

– “Cheio dos guizos falsos da alegria /

Andei cantando minha fantasia / Entre as palmas febris dos corações.”.

A moça deu um gemido fundo, grunhiu forte.

Fernando sentiu as costas úmidas. Era a hemoptise. A mancha vermelha cresceu no ombro, escorria pelos braços. E Elisete cantando:

– “Nossas roupas comuns dependuradas / Na corda qual bandeiras agitadas/ Pareciam um estranho festival./ Festa dos nossos trapos coloridos/ a mostrar que nos morros mal vestidos / é sempre feriado nacional.”

O rapaz, desesperado, o rosto lavado de sangue que saia do peito dela, gritava:

– Gracinha, aguente, pare de tossir. Doutor, desculpe, estamos sujando tudo.

E as golfadas esguichando, ensopando o tapete do carro. E Elisete cantando:

– “A porta do barraco era sem trinco / e a lua furando nosso zinco / salpicava de estrelas nosso chão. / Tu, tu pisavas nos astros distraída / sem saber que a ventura desta vida / é a cabrocha, o luar e o violão.”

A moça pendeu a cabeça no colo do rapaz, parou de tossir. Houve um longo silêncio de segundos. O rapaz sacudiu o rosto da moça;

– Gracinha, abra os olhos. Você não pode morrer, meu amor. Cabo (Cabo era o velho), será que ela morreu, Cabo?

O velho apenas bateu com a cabeça. E passou os dez dedos calosos na testa da filha. O rapaz ficou soluçando baixinho, contido, beijando as pálpebras roxas. Tinha nos olhos o espanto dos loucos. E Elisete cantando:

– “Meu barraco no Morro do Salgueiro / Tinha o cantar alegre de um viveiro. /Foste a sonoridade que acabou./ E hoje, quando do sol a claridade / Forra meu barracão sinto saudade / Da mulher, pomba-rola que voou.”

Fernando estava na porta do hospital do INSS, em Andaraí. A moça tinha recebido alta algum tempo antes naquele mesmo hospital. Voltava morta. 21 anos, uma filha de dois meses. Comida pela tuberculose, a doença da fome.

O velho e o rapaz entraram com a moça morta. O rapaz saiu logo, o mesmo olhar de espanto dos loucos:

– Doutor, o senhor vai voltar para a cidade? Podia me deixar no serviço? Preciso avisar a meu chefe para ele não cortar meu ponto.

O rapaz era lixeiro do Departamento de Limpeza Urbana, Distrito do Salgueiro. Fernando o deixou lá, no pé do morro. Elisete já não cantava “Chão de Estrelas”.

RIO

Acabaram as Olimpíadas. O Rio deu magnífica demonstração da   unidade e capacidade de realização de seu povo. Agora é hora de nos mobilizarmos, nos unirmos todos e juntarmos toda essa energia

para realizar as Olimpíadas da Pobreza, da Saude, da Educação, da Segurança, da Moradia, do Saneamento. Da vida do povo.

nerysebastiao@gmail.com