RIO – Em abril de 1991 tive uma grande alegria em Roma, onde era Adido Cultural. Fui ao aeroporto Fiumicino receber Ulysses e dona Mora. Ele chegava magoado com o PMDB que lhe havia tirado a presidência do partido. Durante duas semanas ciceroneei os dois, a irmã e uma amiga de dona Mora, dirigindo meu carro pelos monumentos, palácios, igrejas, ruínas, catacumbas e restaurantes romanos.

No bar do estrelado Hotel d’Inghilterra, onde a nobreza paulista costumava hospedar-se, na via Bocca di Leone, abaixo da Piazza di Spagna, enquanto esperava dona Mora e a irmã descerem do apartamento para jantarmos na primeira noite, o velho Ulysses só pensava no Brasil.

Queixava-se de não ter continuado na presidência do partido. Achava que o PMDB lhe devia isso, sobretudo depois da derrota eleitoral para a Presidência da Republica. (Collor ganhou). Mas em tantas conversas de horas seguidas, eles passeando e eu pajeando-os dirigindo meu carro com carinho e emoção pelos caminhos eternos de Roma, nem uma vez ele reclamou do comportamento do governador Orestes Quércia na eleição.

Pelo contrário. Citou vários governadores do PMDB e sobretudo as bancadas no Senado e na Câmara, que não tinham acreditado na sua candidatura e por isso não se empenharam na campanha. Lamentava que nem seu dileto amigo Pedro Simon, governador do Rio Grande do Sul, tivesse se empolgado com sua campanha, tanto que foi a São Paulo convidar Quércia, em nome dos demais governadores, a ser o candidato:

– “Se o Simon chamou o Quércia é porque não acreditava”.

Também falou no erro da candidatura de Waldir Pires a vice:

– “Não sei por que o Waldir deixou o governo da Bahia para ser vice, se durante toda a campanha em nenhum instante acreditou nela”.

E contou a dramática reunião de Brasília, na véspera da convenção, na casa dele, em que quase todos os governadores do PMDB, mobilizados por Moreira Franco, governador do Rio, foram lá pedir-lhe que desistisse, porque não teria chances. Quem falou por todos foi Pedro Simon. Quando Ulysses perguntou quem seria o candidato no lugar dele, todos se calaram:

– “Ali tive a certeza de que o Calabrês (assim às vezes se referia a Quércia) não estava me traindo. Foi correto comigo, como outros não foram. Se tivesse aceito o insistente convite dos outros para ser o candidato bastava que o indicassem e eu teria retirado meu nome. Mas ninguém disse nada. A Mora ficou irritada, foi buscar um café e a conversa acabou ali”.

QUERCIA

Em outro jantar, na hora do “poire”, Ulysses disse que depois soube o que Quércia respondeu a Pedro Simon e aos que foram a São Paulo convidá-lo para ser o candidato:

– “Enquanto doutor Ulysses for candidato, não aceito nem tratar do assunto. Ele é o nome natural do partido, por tudo que ele é, pelo que fez e porque o país o vê como símbolo do PMDB. Alem disso, preciso terminar meu governo, ainda faltam quase dois anos. Se um dia doutor Ulysses retirasse a candidatura, só então eu poderia conversar. Tenho gratidão e deveres com ele. Ainda muito jovem, quis ser candidato a deputado estadual, ele me apoiou. Fui prefeito de Campinas com apoio dele. Participou de minha campanha para senador. Jamais disputaria com ele”.

UMA CARTA

Quando voltou ao Brasil, Ulysses me mandou esta carta:

“Brasília, 17 de abril de 1991

Meu querido Sebastião Nery,

Você é demais. Suas palavras me convenceram. Seu artigo (sobre Ulysses e o Parlamentarismo) teve ampla e consagrada repercussão. Todo mundo me fala dele. Deus lhe pague!

Mora e suas amigas ficaram deslumbradas com seu talento, sua erudição, a fluência e competência com que nos instruiu sobre coisas inéditas da eterna Roma.

Eu sou sua velha e barulhenta “macaca de auditório”.

Se tiver coisas sobre o parlamentarismo, envie. O parlamentarismo republicano, com a eleição de Presidente, não o monárquico sem eleição.

Dê notícias e quando vier ao Brasil não se esqueça de aparecer ao fraterno amigo e convicto admirador,

Ulysses Guimarães”.

 

Não era uma carta. Era uma condecoração.