RIO – No muro velho, coberto de limo e furado de balas, a denúncia: “Os direitos humanos são três: ver, ouvir e calar”. Em outro muro, branco e limpo, a esperança: “Bolívar y Sandino, este es El Camino.”
Nas vésperas de fugir, Somoza fez um apelo final ao embaixador norte-americano: “Não podemos entregar o país a nossos inimigos. Precisamos vencer nem que para isso seja preciso destruir a metade da pátria.” O embaixador americano sorriu: “Qual? A sua ou a nossa?”
A menina linda, cabelos negros e olhos puxados, estudante e guerrilheira, sentada a meu lado no avião, conta a piada para mostrar como seu povo sabia bem quais eram seus principais inimigos. E por isso é que a unidade nacional tão poderosa se fez na hora da luta final. A história destes povos tão miseráveis e tão sofridos da América Central está sendo escrita com sangue, mas também com uma dura lucidez. Eles aprenderam em séculos de dominação e dependência que o caminho da liberdade é a decisão de lutar. Como Bolívar e Sandino ensinaram.
Desço no aeroporto, está lá em letras enormes: “Bem vindos à Nicarágua livre.” E um retrato do general Augusto Cesar Sandino, o herói da independência nas lutas contra os Estados Unidos no começo do século: chapéu, lenço no pescoço e o lema: “Pátria livre ou morrer.”
Não parece que este povo acaba de derrubar uma ditadura com uma guerra civil. A alfândega é apenas um rapaz olhando e carimbando o passaporte, outro abrindo e fechando as malas mecanicamente e me menos de um minuto para ver se há armas, e uma garota na caixa cobrando um dólar e meio de taxa de desembarque. Nenhum ar de desconfiança ou de receio.
Armados, apenas dois guerrilheiros, com suas fardas verdes e boinas vermelhas: um jovem de no máximo vinte anos e uma menina morena, muito morena e muito menina, dizendo amavelmente: “Bienvenido.” E só. Nada daquele clima de terror policial que se vê em tantos cantos do mundo.
Eles aprenderam, de um duro aprender, que só há uma segurança: a vontade nacional.
Não sei o que aconteceu com os mais velhos nesta incrível terra de jovens. Só se veem jovens. Chego ao Palácio da Revolução – que era o Palácio Nacional tomado pelo Comando Zero e seus companheiros em agosto – um garoto de farda verde e metralhadora na mão pergunta se estou armado e passa a mão em minha cintura.
– Por que esse cuidado todo?
– Os inimigos. Ainda não ganhamos tudo. Há inimigos ainda por toda a parte.
Volto para o Hotel Intercontinental, abro a janela do oitavo andar e de repente entendo porque tudo aconteceu. Outras vezes estive aqui, em 1958 e 1960. E percebo que esta capital da Nicarágua, tantos anos depois, neste outubro de 19798, é muito mais pobre e abandonada.
Claro que houve o terremoto de 1972, que destruiu o centro quase todo, mas o maior crime de Somoza foi exatamente ficar com o dinheiro da solidariedade internacional e depositar em dólares nos bancos dos Estados Unidos. Manágua é a cidade mais pobre de toda a América Central.
Da janela vejo o quadro da ditadura. Somoza dez daqui uma fazenda sem metáfora. Atrás do hotel, o bunker de onde ele governava. Em frente, o único edifício alto da cidade, o Banco da América. Lá no fundo a catedral. E as casas de barro cobertas de papelão espalhadas por todo canto.
Tudo exatamente como em uma grande fazenda. O povo muito pobre andando nas ruas e a rádio no quarto do hotel cantando a vitória sobre a ditadura:
“Rádio amor, pobre mas honrada como a Pátria.”