RIO – Pálido, os olhos tristes e a alma cansada, Getúlio Vargas desceu em Belo Horizonte, na tarde de 12 de agosto de 1954, a convite do solidário governador Juscelino Kubitschek, para inaugurar a siderúrgica Mannesman. O Rio pegava fogo com o inquérito da Aeronáutica (a “Republica do Galeão”) contra os que tentaram matar Lacerda.
Liderados pelos comunistas e udenistas, nós estudantes, com lenços amarrados na boca, impedimos que Vargas atravessasse a cidade pela Avenida Afonso Pena, sendo o cortejo presidencial obrigado a seguir pela Avenida Paraná e tomar a Avenida Amazonas até a Cidade Industrial.
No palanque, ao lado do governador e dos colegas jornalistas, vi bem suas mãos tremulas mas a voz forte. Vargas deu seu recado aos inimigos:
-Advirto aos eternos fomentadores da provocação e da desordem que saberei resistir a todas e quaisquer tentativas de perturbação da paz.
Da inauguração, Getúlio foi direto para o palácio das Mangabeiras. Não conseguiu dormir, segundo confessou depois a Juscelino. Depois do café da manhã, antes de voltar para o Rio, de pé, sorrindo discretamente, com seu indefectível charuto, ao lado de JK, Getúlio nos cumprimentou, um a um, e disse algumas palavras aos poucos jornalistas ali presentes.
Eu era o mais novo, fiquei na ponta. Achei sua mão gordinha e fria:
-É muito jovem. De que Estado você é?
-Da Bahia, presidente. De Jaguaquara.
-Onde fica?
-Entre Salvador e Ilhéus, perto de Jequié.
Ele parou, pensou um pouco:
-Jequié, Jequié. Conheci o jovem prefeito de lá. Conversamos, me deixou uma boa impressão. É um rapaz de futuro.
-É o Lomanto, presidente.
-Pois é, um rapaz de futuro.
Despediu-se com seu discreto e distante sorriso e a mão gordinha e fria.
2. – NEWTON PINTO E LAFAIETE
Lafaiete Coutinho, paraibano, grande, simpático, medico, udenista baiano, deputado estadual e duas vezes federal pela UDN da Bahia (de 47 a 59), secretario de Segurança do governo Balbino e secretario da Agricultura do governo Juracy, estava em uma solenidade no Fórum de Salvador quando o também médico Newton Pinto, ex-prefeito de Jequié e deputado estadual, sábio, doutor em mistérios, viu a palma de sua mão:
-Lafaiete, você é um homem de coragem? Posso dizer uma coisa?
-Pode, Newton. O que você quiser. Lá vem você com sua quiromancia (Aurélio: -“Adivinhação pela leitura das palmas das mãos”).
-Então arrume sua vida, porque você só tem poucas semanas de vida.
Lafaiete deu uma gargalhada.
Era 1959, o presidente Juscelino Kubitschek e o governador da Bahia, Juracy Magalhães, estavam empenhados em arranjar um candidato que unisse a UDN, o PTB e até mesmo o PSD, para impedir que a UDN lançasse Jânio para presidente. Juscelino e Juracy achavam que podia ser Juracy, mas aceitavam Osvaldo Aranha, do PTB, amigo dos dois e de Jango.
Juracy mandou Lafaiete ao Rio Grande do Sul perguntar a João Goulart, vice-presidente de Juscelino e líder absoluto do PTB, se aceitava Osvaldo Aranha como candidato de união nacional, com apoio de JK.
Na véspera da viagem, jornalista politico de “A Tarde”, ao lado da secretaria da Agricutlura, ali na praça Castro Alves, entrei no gabinete de Lafaiete, que me contou a conversa com Newton Pinto e me interrogou:
-Você, que passou oito anos no seminário e estudou essas coisas todas, acredita em quiromancia, o destino traçado nas linhas das mãos?
-Nem acredito nem desacredito. Mas não me meto.
Ele deu uma gargalhada:
-Então estou a caminho da morte. Vou a amanhã a Porto Alegre e, de lá, pegar um aviãozinho qualquer para chegar à fazenda do Jango, em São Borja. Não gosto de avião pequeno. Mas não tem outro jeito. Vou em missão política do Juracy, não posso dizer nada, na volta te conto.
Lafaiete foi, conversou, voltou em um sábado, e do aeroporto de Salvador seguiu direto para o palácio da Aclamação, comeu uma feijoada com Juracy, e lhe contou a conversa toda, inclusive a resposta de Jango:
-Diga ao governador Juracy que gosto muito do doutor Osvaldo Aranha, amigo fiel do ex-presidente Vargas até o ultimo instante e meu amigo também. Mas a política do Rio Grande é um terreiro, que só dá para um galo só. Se ele se elege, me aposenta, acabou minha liderança.
Lafaiete pegou o carro oficial e foi para casa, na Graça.
Quando tocou a campainha, caiu morto na varanda.
Newton Pinto sabe da vida e da morte.