Três dias antes de morrer, Juscelino viera de sua fazendinha em Luziania e pernoitara no apartamento do primo Carlos Murilo, em Brasília. Estava triste e deprimido por tantas injustiças e perseguições, e fez a esse seu primo e meu xará a seguinte confissão que, autorizado por ele, agora, pela primeira vez, vou revelar:

-Meu tempo, aqui na terra, está acabado. Tenho o quê, de vida? Mais dois, três ou cinco anos? O que eu mais quero agora é morrer. Não tenho mais idade para esperar. Meu único desejo era ver o Brasil retornar à normalidade democrática. Mas isso vai demorar muito e eu quero ir embora.

Estava sem dinheiro e tomou 10 mil cruzeiros emprestados. Tendo Ulysses Guimarães e Franco Montoro como companheiros de voo, viajou para São Paulo e desceu em Guarulhos, porque o aeroporto de Congonhas estava fechado. Ficou hospedado na Casa da Manchete, em São Paulo.

No dia seguinte, JK despediu-se de Adolfo Bloch, que depois revelava:

-Ele deu-me um abraço tão forte e tão prolongado que parecia estar adivinhando ser aquele o nosso ultimo encontro. E chegou a mostrar-me o bilhete da Vasp, como prova da sua viagem, naquela noitinha, para Brasília.

E morreu dormindo. Mas, desde a véspera, havia telefonado para seu fiel motorista, Geraldo Ribeiro, pedindo-lhe que fosse a São Paulo busca-lo de carro, e marcando um encontro no posto de gasolina, quilômetro 2 da Dutra.

Pergunta-se hoje: por que Juscelino estava despistando e escondendo a sua real intenção de não ir para Brasília e sim de retornar ao Rio? Não queria que dona Sarah soubesse?  Seria algum encontro amoroso?

E era.

 

Esta é uma das muitas, numerosas historias contadas pelo veterano jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho (nasceu em Natal, com a revolução de 30), com mais de meio século de redações, em seu ultimo livro, “Tempo Diferente” (primorosa edição da Topbooks, breve nas livrarias) sobre 20 personalidades da política, da literatura e do jornalismo brasileiro:

-Aqui estão contadas historias reais e verazes, acontecidas com tantos homens importantes no universo literário e político do pais, que viveram num tempo diferente: Getúlio, JK, Jânio, Café Filho, Lacerda, Chateaubriand, Tristão de Athayde, Augusto Frederico Schmidt, Carlos Drummond de Andrade, Celso Furtado, Evandro Lins, Austregésilo de Athayde, Guimarães Rosa, Jorge Amado, José Lins do rego, Rachel de Queiroz, Raimundo Faoro, Roberto Marinho, Carlos Castello Branco, Otto Lara Rezende.

Agora que Lula, com a água no queixo, agarra-se à memória de Juscelino como a um toco na água, e, nesta semana em que ele faria 103 anos, segunda-feira, dia 12, e a imprensa e sobretudo a televisão quase o esqueceram, é bom relembrar outras historias contadas pelo depoimento de testemunha de Murilo, no capitulo “JK, do Seminarista ao Estadista”.

-Eu era então (em 56) chefe da seção política da “Tribuna da Imprensa”, jornal de oposição, dirigido por Carlos Lacerda, que movia feroz campanha contra JK. Apesar disso, ele sempre me distinguiu com especial atenção e, na sua segunda viagem a Brasília, me convidou para acompanha-lo.

Saímos do Rio num Convair da Aerovias-Brasil e aterrissamos numa pista improvisada, perto do Catetinho, que tinha sido inaugurado no dia 1o de novembro. Às quatro horas da madrugada do dia seguinte, ainda noite escura, JK já estava de paletó esporte, camisa de gola rolê, chapéu de aba larga, botinas e um rebenque, batendo à porta de nossos quartos, e convidando-nos para irmos com ele visitar as obras de Brasília, naquele imenso descampado:

-Aqui será o Senado, ao lado da Câmara, mais adiante os Ministérios. No outro lado, o Supremo e o palácio do Planalto, onde irei despachar.

-Naquela nossa primeira noite em Brasília, após um dia de calor escaldante, os engenheiros estavam na varanda do Catetinho, em torno de uma garrafa de uísque, que era bebido ao natural, isto é, quente, porque em Brasília não havia ainda energia elétrica e, portanto, não havia gelo, que era artigo de luxo. Juscelino, presente, comentou:

-Vocês sabem que eu não gosto de uísque. Mas que uma pedrinha de gelo, aí nos copos, seria muito bom, seria.

Nem bem ele acabou de pronunciar essas palavras, o céu se enfaruscou e uma chuva de granizo despencou sobre aquele planalto, levando os boêmios candangos a aparar as pedras, jogar nos copos e tomar uísque com gelo.

Era o primeiro milagre de Brasília.

 

E este bilhete de Adolfo Bloch a Murilo, já na “Manchete” em Brasília:

-Murillo, ai vai esta lancha para você fazer relações publicas no lago de Brasília. Não faça economia em relações publicas. Nós, os judeus, perdemos o Cristo por falta de relações publicas. E fizemos um mau negocio, porque um homem como aquele não se perde.