RECIFE – Vim a Recife quase com Mauricio de Nassau. Em 1954, já lá se vão 60 anos, estava eu por aqui ajudando a organizar nossas tropas da esquerda para o congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes). E nunca mais passei um ano sem voltar e sem gostar. Pernambuco e política são sinônimos. Esta a sua principal lição.

JULIÃO

Francisco Julião me roubou a China. Acabado o Festival Mundial da Juventude pela Paz e Contra a Guerra, em Moscou, em 1957, cada um foi tomando o rumo de casa. Muitos, como eu, sairíamos de lá para visitar outros países ligados à União Soviética. A indicação evidentemente era das direções da Juventude Comunista e do Partido Comunista do Brasil.

Consultado, preferi a China. Era tão mais distante quanto mais misteriosa e Mao Tse Tung uma estatua ambulante do século XX.

Tudo certo, iríamos um pequeno grupo de brasileiros. Mas meu amigo Francisco Julião sem saber de nada atrapalhou tudo.   Fundador das Ligas Camponesas, deputado estadual de Pernambuco pelo nosso PSB (Partido Socialista Brasileiro) em que eu me elegera vereador em Belo Horizonte,   apareceu em Moscou à frente de uma delegação de 22 deputados estaduais pernambucanos e pediu ao PCB, que decidia com os russos, as coisas do Brasil, para irem a Pequim.

O argumento era irreplicável: os jovens companheiros deveríamos dar o lugar aos deputados, porque sempre teríamos outra oportunidade. E lá foram eles e não fomos nós.  Mas haveria compensações. A minha estava na minha ficha: – “estudante, jornalista, professor”.

Em vez de ir à China, iria passar meses participando de programas de radio e de debates sobre o Brasil e a juventude brasileira na Universidade da Amizade dos Povos e entre estudantes e operários de Moscou. E depois, em Leningrado e Stalingrado. E Varsóvia, Praga, Budapeste e Berlim, o mundo mítico do comunismo mundial.

Fui a todos. Deixei a China para quando ela se vestia de azul.

 

CID

Em Pernambuco, em 1958, encontrei o rastro luminoso de João Doria, o criador do marketing político brasileiro, pai do talentoso João Dória Júnior  e “avô” do nosso hoje imbatível Duda Mendonça.

João Doria havia assumido a propaganda das “Oposições Unidas de Pernambuco”, em torno da renovadora candidatura do industrial Cid Sampaio, da UDN, e concunhado de Miguel Arraes, depois secretario da Fazenda do governo de Cid.

O adversário de Cid era o respeitado professor, ex-deputado e senador Jarbas Maranhão, do PSD. Doria criou nas rádios uma devastadora campanha contra ele. Às seis da manhã, um relógio despertava, o locutor chamava: -“Acorda,Jarbas! Cid já acordou!”

Às sete horas, de novo o despertador tocando e o locutor :

– “Acorda, Jarbas! Cid já acordou”!

E assim às oito, às nove, às dez, às onze. Às doze, afinal : – “Jarbas acordou! Muito bem, Jarbas! Mas agora é tarde demais. Cid já ganhou”.

E ganhou mesmo. Em 1960, Cid me disse que ele e a UDN de Pernambuco iriam votar em Juracy Magalhães, mas achava muito difícil a UDN resistir à avalanche da aliança de Janio com Lacerda. E não resistiu.

ARRAES

A história é a crônica do novo contra o velho. Cristo construiu a mais eterna das instituições aos 30 anos. Maomé, aos 40, era o guia de seu povo. Buda, aos 29, estava nas montanhas mudando a cabeça do Oriente. Lênin, aos 30, era o principal criador do partido que ia mudar a história do século. Napoleão, aos 27, presidia o “Diretório” e comandava a França. Bolívar, aos 24, já havia libertado 4 países e voltava herói à Venezuela, em carro aberto puxado por dez virgens. Churchill, aos 40, carregava a Inglaterra na cinza de seu charuto. Mitterrand, aos 29, ajudava Charles de Gaulle a reconstruir a França libertada. No dia 13 de maio de 1989, Waldir Pires deixou o  governo da Bahia para ser candidato a vice-presidente na chapa de Ulysses Guimarães. Depois da transmissão do cargo ao vice-governador Nilo Coelho, houve almoço. Dirigentes do PMDB de quase todos os Estados foram saindo para pegar seus aviões de volta. Ficamos, numa mesa, tomando um conhaque, Waldir, os governadores Miguel Arraes de Pernambuco e Pedro Simon do Rio Grande do Sul, e eu.

Arraes, fumando seu charuto cubano, com seu ar de professor marxista, estava impressionado com a penetração de Fernando Collor no Brasil e em Pernambuco:

– Os prefeitos e vereadores chegam do sertão de Pernambuco me dizendo que  o povo quer votar no “caçador de marajás” de Alagoas. É um fenômeno político que precisa ser decifrado.

Waldir e Pedro Simon em silêncio. Arraes não conversava, falava. Fiquei ouvindo aquilo sem saber se vinha da crispada boca sertaneja de Arraes ou da fumaça de seu charuto.

Vinha era de sua continuada e indestrutível sabedoria.

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