RIO – Na frente, um árabe com seu turbante. Atrás, um africano com seu camisolão. No meio, eu e a namorada com nosso medo. Impossível não ter medo aéreo naquele final da década de 1980. Os aeroportos da Europa tinham virado campos humanos minados.Todos desconfiando de todos.Cada um imaginando onde o outro estava escondendo a bomba, a granada, que daí a pouco poderia explodir, lá no céu, o avião e todos.

Nós na fila do voo da Alitália para Atenas e, ao lado, a fila para a Tunísia, homens com turbantes, barbas cerradas e caras fechadas e mulheres de longos vestidos negros e negros véus na cabeça, A fila deles começou a andar, ficamos olhando, calados. O pensamento coletivo boiava indisfarçado no ar. Quantos iranianos haveria ali? E se um fosse terrorista? A centopeia do medo foi andando devagar, desapareceu.

Era nossa vez. O policial do controle pega o passaporte do árabe do turbante que está à nossa frente, olha, esmiúça, confere, desconfiado. Vai ao computador, dedilha, espera, nada consta, deixa passar. Os nossos passaportes ele mal olhou. Só perguntou: – Brasile? Carimbou e passamos.

O africano do camisolão, atrás de nós, empacou. O mesmo rito da desconfiança. Conferem tudo, digitam o computador, nada consta. Olham agressivamente para o rosto negro, árido, escalavrado, do africano tenso, mandam sair da fila, chamam um chefe, saiu com ele. E a fila medrosa.

Depois do passaporte, outro obstáculo: o controle de bagagens, bolsas, objetos pessoais, o corpo. Vem o detector de metais, que apita quando flagra. O árabe do turbante passa tranquilo. Não tinha um ninho de metralhadora ali dentro. O africano do camisolão ficara lá com o chefe.

E vem um apito fino, estirado, “piiiii”! Todo mundo olha. É ela, a terrorista. E bem disfarçada. Alta, elegante, cara de italiana, chapéu

italiano, óculos italianos, botas italianas. Aparecem três policiais femininas, olhos aflitos, levam-na ao lado como se já estivessem acusando: – “Abra o jogo e a arma!” Não era. Apenas o isqueiro. Entregou, passou. Sem apito.

O medo do terrorismo tinha virado racismo e paranoia.

A BOMBA

Afinal, estávamos na sala de embarque. Chamam. Vamos de ônibus para o avião, um “Air-bus” da Alitalia, lá longe no campo úmido, na manhã de 10 graus. O ônibus pára, mas ninguém salta, ninguém entra. Vamos esperar. “Houve um pequeno problema”, explicam os funcionários. Era ela. Só podia ser ela. A bomba. Estariam tentando desativar?

Embarcamos. Um leve, lindo, macio voo sobre o azulado Adriático. A aeromoça, com enormes óculos redondos, servia vinho para o almoço, quando o comandante pede atenção:

– “A partir deste instante é proibido fumar. Apaguem seus cigarros, até que o sinal de proibição também se apague.É uma pequena emergência. Espero que dentro de quinze minutos já voltemos à normalidade”.

Só podia ser ela, a bomba terrorista, afinal flagrada e acuada pelos comissários, como uma onça enlouquecida. Acender cigarro era acender a bomba e voar tudo pelos ares. Iam desativar. O murmúrio foi crescendo e absolutamente nada aconteceu. Não havia bomba nenhuma.

A aeromoça de óculos redondos deixou comigo uma oportuna garrafinha de vinho e logo comecei a ver, lá embaixo, as escarpadas colinas da Grécia, como o chão crespo do céu.

MARQUETEIROS

O advogado Airton Soares foi um grande deputado. Dias atrás, no jornal da TV-Cultura, de São Paulo, onde debate assuntos nacionais com o também brilhante historiador Marco Antonio Villa, mostrava que o “marketing político” transformou as eleições em autentica farsa. O debate público foi substituído pelos textos escritos pelos marqueteiros, com os candidatos lendo nos “teleprompter”, como “bonecos falantes”,

É preciso restaurar o sentido verdadeiro do horário político, eliminando a maquiagem eletrônica que consagra a mentira e o despreparo. O “marketing político” só pensa em enganar o eleitor.O “marketing público” pensa no cidadão e debate as políticas públicas, começando por enquadrar o “marketing político” no Código de Defesa do Consumidor, que no artigo 37 diz que “é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva”.O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária define:

– “Todo anuncio deve ser honesto e verdadeiro e respeitar as leis”.

Os marqueteiros políticos atropelam a Lei, com a conivência do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais. Continuam iludindo multidões, como fizeram nas últimas eleições presidenciais , com os truques do marqueteiro João Santana.

Na Velha Grécia, Sócrates já alertava com ironia:

– Para construir uma casa ou um navio as pessoas escolhem gente competente, já o Estado, pode ser entregue a qualquer um?                                              nerysebastiao@gmail.com