RIO – No dia 7 de maio de 1977, Brasília era um cemitério cívico coveirado pelo general Geisel, que dias antes editara o Pacote de Abril, fechara o Congresso, rasgara a Constituição da Junta Militar e passara a legislar como um Nero em sua Roma tropical. Como sempre fiz ao descer na capital, liguei para Petrônio Portela, presidente do Senado.

– Ótimo. Vamos conversar. Passe amanhã cedo lá em casa.

Fui. Gravador sobre o sofá, quatro horas de uma interminável, direta, vibrante conversa. De quando em quando, ele punha o dedo no stop, desligava e dizia coisas dos bastidores, impublicáveis, apenas para meu conhecimento. Lembro da defesa calorosa do nome do general Figueiredo (era maio de 77, dois anos antes da escolha, e ele ainda não sabia o que Geisel pensava) e uma análise crua, dura sobre o “despenhadeiro” (expressão dele) que seria a chegada do general Sylvio Frota ao Planalto.

Saí de lá, no dia seguinte o “Correio Braziliense” e a “Ultima Hora” do Rio publicava páginas inteiras com toda a conversa, sob uma manchete que Oliveira Bastos plantou na primeira página:

“Petrônio, o Bedel do Sistema: porque não aceito a Presidência”.

PRESIDÊNCIA

– “Como? Eu, presidente da República agora em 1978? Mas, para que você não imagine que esteja a fugir de responder frontalmente a uma pergunta saindo pela via oblíqua, eu lhe diria tranquilamente: – acho que se desclassifica para o posto todo aquele que não tiver plena consciência da realidade brasileira e não souber da sua valia ou desvalia para o exercício do cargo maior da República. Eu tenho.

Sei que não teria agora as condições políticas indispensáveis ao exercício do cargo. Seria obrigado, na Presidência, a mostrar sempre os meus trunfos E o presidente da República é um homem que, quando senta na cadeira presidencial, já deve ostentar perante a Nação os seus títulos, os seus atributos, os seus trunfos. E marquei pontos na vida política porque sou um realista. Impõem-se títulos que não ostento”.

É uma pena que Dilma não tenha conversado com Petrônio.

HONESTIDADE

Petrônio falava e o gravador gravava:

– ”Eu diria que outro fator fundamental na minha vida pública é a honestidade com que marco minha vida em qualquer plano. Não mistifico, não adultero, não falseio, sou sempre autêntico, autêntico sem aspas, e tenho para mim que isto tem praticamente dissolvido muitas coisas que contra mim se tenta improcedentemente.

No Senado, onde de fato fiz uma carreira como poucos, jamais se arrolou contra mim gesto menos nobre, uma atitude que me abastardasse, ou me desconceituasse perante os meus companheiros. Isso me confere uma certa autoridade, da qual faço uso em qualquer posto que ocupe”.

“DILMENTIRA”

Em hipótese alguma Dilma poderia dizer isso, falar como Petrônio falava. Ninguém acredita nela e por isso ninguém a respeita. Quem se tornou a “Dilmentira” perdeu as condições para ser acreditada quando fala. A Dilma das pedaladas é a Dilma das enganações. A Dilma dos números proclamados na campanha é a Dilma dos números desmentidos dias depois.

Na campanha a Dilma mentiu tanto insistentemente, tão desfaçatezmente, que não consegue mais falar em publico porque se embrulha nas próprias frases, tropeça na própria alma, Está condenada a carregar o João Santana a tiracolo, como uma bolsa, uma Louis Vuitton da mentira, para ler apenas o que ele escreve. Sem João Santana ela engasga.

E o azar dela é que o João Santana está na Argentina. Mentindo lá.

PIAUÍ

Petrônio falava e o gravador documentava:

– “E quanto ao fato de ser do Piauí, considero um privilégio, porque tenho a impressão de que foi daquela ambiência do lar que tive, da ranzinzice de meu pai, da marginalização do meu povo, que aprendi a ser duro, resistente, tenaz, munindo-me do instrumental indispensável a algumas vitórias que considero etapas normais da vida de quem luta”.

Em um pais tão generosamente grande, onde felizmente todos somos de tantos Estados diferentes (eu sou um múltiplo baiano-mineiro- carioca), ela se perde e perde o afeto de suas gentes que não se identificam com ela. Não pode mais entrar em um restaurante em Minas ou no Rio Grande, com medo de ser vaiada. Tentou misturar-se com os bois de Barretos. Foi pior.

Deus te perdoe teus muitos pecados, Dilma. Sobretudo os da mentira.

LIVRO

(A integra da conversa com Petrônio está em meu livro “Ninguém Me Contou Eu Vi – O Brasil de Getúlio a Dilma” (Editora Geração).

É uma homenagem ao saudoso amigo, que sábado (12-9) faria 90 anos.

nerysebastiao@gmail.com