RIO – No fétido campo de concentração do Exercito no Barbalho, em Salvador, depois do golpe militar de 1964, o coronel depois general Guadalupe Montezuma e seu cachimbo inglês chegaram de Pernambuco para fazer o IPM baiano e queriam saber mais de Brizola do que de mim:
– Nesse mês em que o senhor esteve clandestino entre o Rio e a Bahia, depois do 31 de Março, até ser preso aqui, teve noticias de Brizola? Ele está organizando uma força militar para invadir o Brasil.
– Coronel, aqui preso não sei nem o que Lomanto está fazendo.
– E antes de ser preso? Eu quero é saber o que o senhor sabe de Brizola. Ele hoje é nosso maior inimigo. O Jango é rico, vai cuidar da vida dele. O Arraes está em Fernando de Noronha. O Prestes já deu sua palavra aos comunistas para não repetir o erro de 1935. Brizola, não. Vai lutar até o fim. Nos desafiou em 61 e ganhou a posse de Jango. Agora foi apanhado de surpresa, não teve como reagir. Mas não ficará satisfeito com os discursos violentos que o senhor e outros amigos dele fizeram nas rádios Mayrink Veiga e Nacional. Esse é o nosso inimigo. E o senhor é aliado dele.
– Politicamente, sim. Mas não acredito em insurreição no Brasil contra o poder militar. Aqui, desde a Monarquia e a Republica, e em 1930, 35, 37, 45, 61, agora, as soluções sempre foram militares. Os civis só voltarão com um paciente trabalho político no dia em que os militares se dividirem. Sempre foi assim. No Brasil, os civis que quiseram enfrentar militares com armas se deram mal: Antonio Conselheiro e Lampião.
O coronel repousava a cabeça na cadeira alta e tragava silenciosamente seu cachimbo, com um sorriso maroto:
– Deputado vim ouvi-lo e estou ouvindo a pregação de um derrotado.
– Inconformado com um governo militar estou. Não dará certo. Mas insurreição civil não. Passei oito anos com os padres e oito com os comunistas. Aprendi que na historia é preciso muita paciência. Brasileiro só briga atrás de militar. E Brizola não tem militar.Tinha o general Assis Brasil, o do “dispositivo”que Juscelino disse que era um “supositório”.
Não gostou da piada, fechou a cara, levantou-se, saiu. Agora, a presidente Dilma pôs Brizola no Panteon dos Heróis.A justiça da Historia.
O CORONEL
Em 1964, o coronel deve ter ido limpar o cachimbo. Voltou:
– Foi bom o senhor não querer me enganar e negar suas ligações com o Brizola. Em três anos de seu jornal, o único político com quem o senhor fez uma grande entrevista, com enorme foto na capa e duas paginas lá dentro, foi ele. Nos seus discursos na Assembleia, o senhor não elogiava o Jango e ainda bem que não elogiava o Prestes. Só elogiava e defendia o Brizola. E ele nem é de seu partido. É do PTB. O senhor sempre foi do Partido Socialista. Está vendo como pesquisei sua vida? Por isso mesmo tenho certeza de que, quando sair daqui, o senhor será aliado dele.
– Aliado político, sim, coronel. Mas esse será um processo longo. Me desculpe, mas o que houve no Brasil foi um golpe militar. Um dia haverá anistia e novamente uma vida política normal, com eleições. No Brasil, depois da ditadura de Getulio e em todos os países acontece assim. Nessa hora, aparecem ou reaparecem os herdeiros da democracia. Na França, foram De Gaulle e Mitterrand. Na Yugoslávia, Tito. Quem será no Brasil? Prestes, nunca. Comanda um partido internacional. Jango já foi presidente, não é um dirigente determinado. Arraes é muito concentrado no Nordeste. Sobrarão dois lideres nacionais, se estiverem vivos : Juscelino e Brizola. E Brizola tem mais chance de esperar, por ser mais novo. O líder nacional mais importante que surgirá, quando a democracia voltar, se estiver vivo, deverá ser Brizola. Tem a melhor biografia e imagem.
O CACHIMBO
Enquanto ele me deixava falar, fui falando. Interrompeu:
– Estou quase me arrependendo de lhe haver dito que iria pedir o fim de sua prisão. Mas meu IPM é sobre a Bahia e o senhor está em vários IPMs do Rio, Minas, rádios, UNE. Vou deixar essa historia de Brizola para resolverem lá. Mas não se engane. Vamos ficar de olho no senhor e nos aliados do Brizola. O senhor sabe que ele é nosso maior inimigo.
Fez um discreto elogio à minha“lealdade” e mandou embora. Bons tempos em que havia coronéis de cachimbo e ainda não havia tortura.
O GETULISTA
Um dia, em Brasília, anos depois, deputado do PMDB, não do PDT, encontrei o general Montezuma em um jantar. Elegantemente, me cobrou :
– Deputado, quando leio seus artigos hoje dizendo que o Brizola “no Rio não está sendo um democrata, mas um getulista”, fico lembrando de nossa demorada conversa em Salvador. Então era um “não democrata” que seria o “herdeiro da democracia”? Seu pecado era ser um brizolista.
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