SALVADOR – Jornalismo é muitas vezes a garganta das pedras. Menino de fazenda aqui na Bahia, cedo aprendi que, quando a estrada não dá caminho, toma-se o atalho. É o jeito de dizer, pela boca dos outros, o tornado indizível. O humor é uma linguagem absolutamente séria. necessária, eterna. Desde o começo dos tempos, sempre foi mais proibido proibir o humor.

Folclore não é história. É a versão popular da história. Folclore político não é história política. As historias do folclore vão mudando na boca do povo como as nuvens mudam na boca do vento. Monteiro Lobato definiu exato:

– “Folclore são coisas que o povo sabe por boca, de contar um para o outro”:

Se Maurice Latey diz que “a história é o povo em ação”, está pondo o folclore como categoria literária, crônica da vida comum, poema do dia a dia, o contar para o outro, o cantar dos medievais menestréis.

Quando, em agosto d 1973, no auge do calar a boca nacional pela ditadura militar, lancei o “Folclore Político” no Clube dos Repórteres Políticos do Rio, com a presença de José Américo de Almeida, José Maria Alkmin, Magalhães Pinto e mais de cinquenta colegas de jornalismo político, José Américo, com sua competente precisão de linguagem, colocou o livro nos termos precisos:

-“É folclore. Nenhuma das histórias a meu respeito é inteiramente exata, mas nenhuma é inteiramente inexata. E são todas muito engraçadas”.

E José Maria Alkmin:

– “Essas histórias do folclore político a gente nunca sabe quais são as verdadeiras e quais as inventadas. O povo vai contando e elas vão se modificando, se reproduzindo. Como os cogumelos. Quem é que sabe quem é a mãe do cogumelo?”

ALCKMIN

Outro Alckmin, o paulista Geraldo Alckmin, o exemplar e competente governador de São Paulo, relembrava nestes dias, numa solenidade, uma velha historia folclórica do Brigadeiro Eduardo Gomes.

Segundo ele, o doce feito de chocolate e leite condensado chama-se, “brigadeiro” porque, em 1945, ele candidato a Presidente da República, mulheres paulistas faziam o doce aos milhares para vendê-los nos comícios da UDN, anunciando:

– Brigadeiro, brigadeiro, é bonito e é solteiro!

Ganhou Dutra que era feio e era casado.

Isso diz o folclore paulista. Aqui na Bahia, nesse mesmo 1945, os doces “brigadeiros” faziam sucesso, mas por uma razão histórica. Nas lutas militares de 1922 e 1924, o valente e heroico Brigadeiro levou um tiro nos órgãos genitais e ficou fisicamente prejudicado.

E o que é que tem a ver o doce com o tiro? Muito simples: o “brigadeiro” é o único doce feito sem ovos.

Sou mais a sabedoria baiana.

CRISTIANO MACHADO

Mas Eduardo Gomes não é o único candidato folclorizado. Em 1950, fim do governo do marechal Dutra, o país estava partido politicamente em três pedaços: PSD com Cristiano Machado, UDN com o brigadeiro Eduardo Gomes, PTB com Getúlio Vargas. Em plena campanha eleitoral para a Presidência da República, morre Da. Santinha, mulher do presidente.

A missa de sétimo dia foi na Candelária superlotada. Getúlio estava no Sul, não foi. Eduardo Gomes chegou, entrou, ficou rezando. Cristiano Machado foi entrando com seu ar discreto e sóbrio de Mineirão dos velhos tempos. Um correligionário exaltado teve um acesso de puxa-saquismo, meteu o pescoço entre as pernas, suspendeu-o e saiu carregando-o igreja adentro, como um estranho andor.

Foi um escândalo. Cristiano Machado, constrangido, esperneava, grudado nos cabelos do eleitor, mas não conseguia livrar-se. O correligionário gritava:

– Viva o Dr. Cristiano Machado! Viva o futuro presidente!

E a Candelária ouviu, penalizada, o protesto aflito, quase um gemido do candidato:

– Me larga, seu imbecil!

Largou mas deixou Cristiano inchado.

A RAINHA

No avião, do Rio para Salvador, ela lia tranquilamente sua revista. As pessoas olhavam com intenso afeto, mas para não incomodá-la não a interrompiam. Passavam. Quem estava ali era uma rainha: Maria Bethania.

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