RIO – Velho, muito velho, terno sempre azul e cabeça toda branca, seu Manuel era uma figura querida e conhecida sobretudo em Teresópolis mas também em Petrópolis: revendedor há muitos anos da Loteria Federal. A sorte só chegava a Teresópolis e às vezes a Petrópolis pelas mãos já mirradas do seu Manuel.
Depois que o presidente Geisel deixou o governo, seu Manuel arranjou mais um freguês permanente para seus bilhetes: Geisel. Toda extração, ele levava um bilhete inteiro para o sítio dos Cinamomos, do ex-presidente. Era venda segura e a comissão certa.
GEISEL
De repente, Geisel passou a receber no Rio, toda semana, diretamente da Loteria, cinco bilhetes inteiros. Como essa era a cota mínima de um revendedor, o ex- presidente ganhava o desconto de revendedor e seu Manuel perdia sua comissão. Mas não se queixava:
– Quem pode, pode. E ele tem sorte. Uma vez ganhou.
Um cliente de Petrópolis lhe perguntou:
– Seu Manuel, por que o senhor não se queixa lá na Caixa?
– Porque tenho medo.
– Mas o homem já não é mais presidente.
– Eu sei. Ele saiu do governo, mas meu medo do governo ficou.
PAULO ANTONIO
Na saudosa e histórica “Adega dos Frades”, um grupo de políticos, jornalistas, empresários, relembrava os tempos de medo da ditadura. Paulo Antonio Carneiro, diretor do “Diário de Petrópolis”, então jovem dirigente do MDB municipal, revendo seus papeis, encontrou umas laudas escritas à mão.
Candidato em 1974 a deputado federal pelo MDB do antigo Estado do Rio, em dobradinha com o vereador Carlos Portella candidato a estadual, os dois então bem jovens, com menos de 30 anos, Paulo Antonio pediu sugestões para sua primeira aparição no horário do TRE na TV.
O SNI fazia uma pressão brutal, no Tribunal Regional Eleitoral, contra os candidatos do MDB, censurando-lhes os pronunciamentos, sobretudo dos mais jovens e aguerridos. Era preciso ser rápido no gatilho e aproveitar bem aqueles rápidos instantes, com declarações curtas e fortes.
ILHA DO MEDO
Paulo Antonio foi para a TV com uma pequena lista delas no bolso. Na sua vez de falar, reviu,memorizou e começou exatamente pela primeira:
– “Democracia não é só ter eleição de quatro em quatro anos. Democracia é viver sem medo”.
Na mesma hora, saíram os três do ar: o programa, Paulo Antonio e a frase. Dias depois, também eram vetadas e saíram da lista eleitoral do MDB fluminense as candidaturas dele e de seu fiel companheiro Portella.