RIO – Mais uma vez desci em Caracas em 1979. Na portaria do Centro Simón Bolivar o homem de radinho de pilha olha para mim irritado. Estava ouvindo seu futebol, como todo porteiro que se preza, seja paraibano ou venezuelano, e aparece um chato perguntando onde era o serviço de telex internacional. Sábado de tarde, fechado. E não podia fazer nada para ajudar-me porque todo mundo havia ido embora.

–  Como é que está a situação aqui para um trabalhador?

– Já foi mais fácil. No governo passado, a gente tinha mais direitos no

trabalho e nos sindicatos, porque o partido do Presidente Perez era o partido da maioria dos trabalhadores. O presidente da Confederação dos Trabalhadores da Venezuela era deputado da Ação Democrática, o José Vargas, e por isso as coisas ficavam mais fáceis.

– Por que então o partido de Perez, a Ação Democrática, perdeu as eleições para a Democracia Cristã, a COPEI?

– Porque o povo sempre gosta de experimentar outro Governo e aqui na Venezuela sempre foi assim: sobe a AD, depois sobe a COPEI, desce a COPEI, sobe a AD.

– Por que então os trabalhadores estão reclamando, ameaçando greve geral?

– Foi um erro terrível. Eu não votei nele, mas a maioria dos trabalhadores foi na conversa de um homem perigosíssimo, muito inteligente e muito esperto, que prometeu tudo. Falava tudo que o povo queria ouvir e agora que chegou ao governo está fazendo exatamente o contrário. Está governando com os grandes grupos. Ele prometeu que desta vez a Democracia Cristã na Venezuela seria democracia e seria cristã, mas não está sendo, porque está fazendo um governo dos patrões contra os trabalhadores.

– No Brasil, já houve um Presidente que fez a mesma coisa. Prometeu governar com o povo e quando chegou lá governou foi com os grandes grupos.

– Como era o nome dele?

– Jânio Quadros.

Voltei para o hotel com uma idéia na cabeça: saber bem quem é esse Presidente Herrera, o Jânio da Venezuela.

De noite ligo a TV, estava anunciando de instante em instante:

“Veja hoje o Presidente que fala com o povo. Tema: A terra para quem trabalha.”

Começa a falar com um jogo de voz e de gestos que mudam de pedaço em pedaço, ora sarcástico, ora duro, frenético e meio possesso. Quando sai do ar, você fica numa dúvida terrível; não é possível que tudo aquilo que ele falou não seja a verdade. Pois não é. Vou jantar com jornalistas de várias tendências, alguns inclusive ligados a entidade do governo, e acabo convencido de que o porteiro tinha razão: é um fantástico enganador. E com um talento extraordinário.

E os fatos? Bem, os fatos estão nos jornais, na dura luta política. É preciso não esquecer que a Venezuela é uma democracia provada e comprovada há anos e não passa pela cabeça de ninguém mudar o regime ou dar um golpe. Todos os partidos funcionam livremente, inclusive o fraco Partido Comunista e o mais forte Partido Socialista. A anistia acabou a guerrilha e os guerrilheiros estão nas ruas pacificados.

A luta é política e quem a decide é o povo na boca das urnas. O governo Andrés Perez havia aumentado muito a dívida externa e o custo de vida subiu muito com o controle cada dia maior das multinacionais sobre a maior parte da produção interna e sobretudo com a importação da maioria dos bens de consumo, inclusive alimentos.

Herrera, o grande ator, vai falando e tentando segurar o barco com palavras bonitas. Os artistas políticos podem ganhar eleições, mas nunca fazem a história.

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