RIO – O Embaixador José Aparecido de Oliveira era um lusófilo incorrigível. Mais ainda do que o mestre do lusotropicalismo Gilberto Freire. Portugal, para ele, era como as pedras seculares das ruas de sua Conceição do Mato Dentro, nas montanhas do Serro do Frio de Minas. Doem nos pés, mas é preciso ter paciência. Perdoando e gostando.

Aparecido teve com Portugal um crédito político histórico. Foi ele, como Ministro da Cultura, que coordenou em São Luís do Maranhão, em 3 de novembro de 1989, o “1º Encontro dos Países da Língua Portuguesa”, surgindo dai a criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa.

Ai aconteceu o primeiro encontro depois da libertação das antigas colônias de Portugal na África com a primeira reunião dos presidentes das ex-colônias de Portugal, o Presidente do Brasil, José Sarney, com Mário Soares, de Portugal, Joaquim Chissano de Moçambique, Manuel Pinto da Costa, então presidente de São Tomé e Príncipe, Aristides Pereira de Cabo Verde, João Bernardo Vieira, Nino, da Guiné Bissau e Lopo do Nascimento de Angola, representando o presidente José Eduardo Santos, que não saiu de Luanda porque estava vivendo fatos dramáticos com a capital cercada pelas tropas da UNITA de Savimbi.

Uma noite, em Brasília, um grupo de jornalistas na casa do então governador Aparecido, jantávamos com o presidente da Guiné Bissau, Vieira Nino. Um jornalista comentou:

  • Ele tem olhar estranho. Tem olho de fera.

E era Vieira Nino. Companheiro de Amilcar Cabral, passou onze anos dentro da selva, lutando contra Portugal. Espiando dia e noite o perigo entre os galhos da floresta, acabou com olho de fera.

Aparecido não conhecia só Portugal. Era amigo dos olhos de fera das ex-colônias. Mário Palmério, romancista dos infinitos “Confins” de Minas, também ele ex-embaixador do Brasil no Paraguai, diz que na história do Itamarati só três diplomatas conheceram bem as cinco ex-colônias de Portugal: ele, Wladimir Murtinho e Aparecido. Aparecido foi lá. Duas vezes.

 

O inesquecível Carlos Heitor Cony, já havia percebido e escrito antes:

“Esta é, basicamente, a ideia de José Aparecido de Oliveira. A língua portuguesa é a terceira mais falada do mundo. Atinge quatro continentes e engloba uma população de mais de 230 milhões. O primeiro fruto da Comunidade de Povos Lusófonos será estritamente política e cultural, o que já é muita coisa. Evidente que os povos que falam o português são em geral, atavicamente grudados no chamado Terceiro Mundo. O isolamento geográfico não tem impedido a formação de blocos regionais que apresentam a unidade espiritual da mesma língua. Esse bloco de milhões de pessoas que falam o português tem dois curingas bem situados no tabuleiro internacional. Numa ponta o Brasil como seu potencial-que-não-verás-criança-nenhuma-igual-a-ele. Na outra ponta Portugal, estado-membro da Comunidade Europeia, matriz da civilização comum. Basta um pouco de imaginação para se obter a projeção do que pode representar, a curto, médio e longo prazos, a formação de um bloco de nações reunidas sob um núcleo de tal amplitude.

Essa imaginação não faltou ao único embaixador que não é dos quadros do Itamarati, pois foi convocado pessoalmente pelo presidente Itamar Franco.”

 

Não por acaso, hoje a Academia Brasileira de Letras presta homenagem aos 90 anos de José Aparecido. Seus amigos acadêmicos Alberto da Costa e Silva e Geraldo Carneiro estão convidando para o Seminário “José Aparecido de Oliveira, o embaixador da Língua Portuguesa”, às 16:00 , no Teatro Raimundo Magalhães Junior, na sede da Academia Brasileira de Letras – Rio de Janeiro.

nerysebastiao@gmail.com