RIO – Veiga Brito era presidente do Flamengo e deputado federal da Arena, em 1966, quando Lacerda tentava organizar a “Frente Ampla”. Foi a Santos negociar um jogador com Athiê Jorge Curi. Jânio estava lá. Sabia que Veiga era amigo de Lacerda, telefonou, marcaram um encontro, conversaram longamente em um quarto, sentados na cama.
Jânio não entendia porque Lacerda havia chamado Juscelino e Jango para a “Frente”, feito as pazes com eles, e não aceitava a participação dele:
– Deputado Veiga Brito, o que é que o Carlos tem contra mim? Ele procura os antigos adversários e ao seu companheiro de lutas repele. O senhor pode explicar-me por quê? Sei que o senhor é muito amigo dele.
– Presidente, eu acredito que ele não entendeu e ainda não absorveu o episódio da renúncia.
– Ele só não, deputado. Todos. Ninguém entendeu. O senhor entendeu?
– Olha, presidente, eu acho que o senhor armou uma jogada para sair e voltar mais forte, e não deu certo.
– Pois é, deputado. Joguei no porco e deu jacaré.
E deu uma gargalhada.
Jânio foi ao “Barzinho do Museu”, na avenida São Luis, onde um grupo de gente amena e talentosa, comandada por Francisco de Almeida Sales, dissolvia em gelo a crise financeira e as angústias humanas. E Jânio contou esta:
– Vocês sabem, eu sofro de uma insônia horrível. Quando ela vem, ponho-me a caminhar e pensar. Era governador, ela veio. Levantei-me, pus o capote para defender-me da neblina e saí perambulando pela cidade, pensando no meu Estado e no meu povo. Passei em frente a uma delegacia, resolvi entrar para fazer um teste pessoal. Na portaria, ninguém. No plantão dos investigadores, ninguém. Lá dentro, com as pernas sobre a mesa, o senhor delegado conversando com o senhor escrivão, igualmente sonolento e repousante. Estirei a cabeça. Pu-la à porta:
– Senhor delegado!
Ninguém respondeu. Pu-la mais à frente.
– Senhor delegado!
Ninguém respondeu, Gritei:
– Senhor delegado!!!
O senhor delegado nem se mexeu, perguntou ao escrivão:
– Quem está chateando ai?
O escrivão, sem se mexer, olhou-me de soslaio, respondeu ao delegado:
– Um cara, que é a cara do maluco do Jânio. Está ali chamando você.
Josélio Gondim, diretor da revista Espelho, de Brasília, bebia a história de Jânio:
– E o que o senhor fez, presidente?
– Fui-me, meu caro. Fui-me embora. Pensei em prendê-los, aos dois. Mas, e se eles pensassem que eu era um sósia de mim e me prendessem? Eu estava sem documentos. Só de pijama e sobretudo. Fui-me.
José Paulo Freire, o “Zé do Pé”, era menino de calças curtas em Araçatuba, São Paulo, 1954, quando Jânio Quadros saiu candidato a governador. Nacib Curi, turco, grandão, elegante, charuto enorme na boca, mandou fazer escondido um folheto em papel ruim, impresso em gráfica velha, de igreja, com uma foto exótica de Jânio, os olhos estrábicos arregalados e a boca torta:
“Procura-se um louco, É esse aí. E se diz candidato a governador”.
Mas como distribuir? Chamou “Zé do Pé”:
– Zé, tome esse dinheiro para você distribuir isso de manhã, na barbearia, e meio-dia no fórum. Não diga a ninguém que fui eu que lhe dei. Se perguntarem quem foi responda que foi o passarinho.
Na barbearia, estavam três figurões da cidade: Dr. Trancoso Peres, médico. Zé entregou. Raul Vieira da Cunha, fazendeiro. Zé entregou. E o Dr. Coelho, advogado do Banco do Brasil. Zé entregou. Dr. Coelho recebeu, olhou, leu:
– Zé, quem te deu isso?
– Um passarinho, Dr. Coelho.
– O passarinho fuma charuto, Zé?
Zé parou, amarelou, as pernas tremeram:
– Fuma, sim senhor.