RIO – A Grécia é filha de Homero. Nasceu do ventre da Ilíada e da Odisséia. Sócrates, Platão, Aristóteles, germinaram a filosofia. Ésquilo, Sófocles, Eurípides, sangraram a tragédia. Mas foi a poesia de Homero que gerou e plasmou a alma eterna da Grécia.
Roma foi de César, de Augusto, de Adriano. Mas sem a Eneida de Virgilio, as Odes de Horacio, as Metamorfoses de Ovídio, Roma teria sido um Império mas não teria sido uma Civilização.
A Itália é Dante e o depois dele. A Inglaterra é Shakespeare e o sempre. Como a Alemanha é sobretudo Goethe, Portugal Camões.
Por que? Porque a poesia é o Genesis. “In principio erat verbum”. No principio era a palavra. No inicio era a poesia. E “o poeta é um pequeno Deus”.
Platão sabia disso : – “O poeta é um ser alado, sagrado, todo leveza, e somente capaz de criar quando saturado de Deus”.
Shakespeare também: – “O olhar do poeta, girando em delírio, vai do céu para a terra, da terra para o céu. Quando a imaginação toma corpo, captura a essência das coisas”.
E Goethe: – “Poetas não podem calar-se. Quem vai confessar-se em prosa? Abrimo-nos como rosa, no calmo bosque das musas”.
E Victor Hugo: – “Um poeta é o mundo dentro de um homem”.
Impalpável, intangível, só ela, a poesia, é a verdade. Etérea. A verdade alada de Platão, a verdade ensanguentada do Cristo.
Pontius Pilatus ganhou de Tiberius, imperador de Roma, o governo da Judeia e da Samaria, quando exilou Arquelau, filho de Herodes, o Grande, e irmão de Herodes, o antipático Antipas, que deu a Salomé o pescoço de João Batista.
Philo Judaeus e Josephus, historiadores judeus, contemporâneos de Pilatus, disseram que ele era “ríspido e intratável”. Mas não queria matar Jesus. Quando aquele homem de olhos mansos, coberto de sangue, chegou preso ao palácio, trazendo na cabeça a coroa sarcástica – “Jesus Nazarenus Rex Judeorum” – , Pilatos lhe perguntou quem ele era :
– “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”.
O caminho Pilatos sabia o que era. A vida, também. Mas a verdade, não. Pilatos outra vez lhe perguntou:
– O que é a verdade?
Jesus não respondeu. E foi levado para morrer.
Beletristas medievais, monges e poetas, diziam que Jesus não respondeu porque a resposta já estava na pergunta, em latim:
– “Quid est veritas”? (O que é a verdade?).
Com as mesmas 14 letras da pergunta, escreve-se a resposta :
– “Est vir qui adest”. (É o homem que está aqui).
Nem a verdade disse o que é a verdade, porque indefinível.
Como a poesia. Ninguém a definirá. Sentida, vivida, sofrida ou gargalhada, mas indizível. Nasce e morre no mistério. Como as gaivotas, levita e mergulha. Aflora e submerge. É feita de luz e sombra, flor e cacto, carne e sangue. A poesia é o mágico encontro entre a beleza e a pedra, o sonho e a dor, a vida e a morte.
Na impossível busca da verdade, só a poesia é a verdade.
Um pequeno, belo, talvez anônimo poema traduz magnificamente o que vai pela alma dos homens em cada Natal, cada virar de Ano Novo, cada começo de novo ano.
Consta, embora jamais comprovado, que é de Che Guevara. No Natal de 1966, em Nancahuazu, na Bolívia, nas derradeiras trincheiras da inviável guerrilha, cercado de solidão e da certeza do sonho perdido, ele o teria escrito:
– “Cristo, te amo / não porque desceste de uma estrela /
mas porque me revelaste / que o homem tem lagrimas, angustias /
e chaves para abrir as portas fechadas da luz. / Tu me ensinaste que o homem é deus / um pobre deus crucificado como tu./ E aquele que está à tua direita no Gólgota / o bom ladrão / também é um deus”.